Esta semana tive oportunidade de participar numa conferência sobre direito aduaneiro realizada em Portugal (e no Porto) o que, logo à partida, é algo que me deixa muito orgulhosa. E porquê?
Por constatar que,
Não obstante o “longo caminho” que em Portugal há ainda a percorrer para que os temas de direito aduaneiro possam “subir ao palco” mais vezes e de forma mais consistente,
Desde logo no contexto dos processos de tomada de decisão dos operadores económicos e das suas políticas e procedimentos de governance e de compliance ,
São temas que já suscitam interesse e curiosidade de vários “atores” relevantes em comércio internacional e os levam a “sentar-se numa mesma sala” a partilhar não só conhecimento, mas também perspetivas que,
Sendo diferentes – consoante a “posição e função” assumida (operador económico, autoridade aduaneira, advogado especialista em direito aduaneiro, despachante, operador logístico,…),
Não deixam de ser complementares e todas relevantes considerar, seja na fase de planeamento e contratualização de operações de comércio internacional, seja já em contexto de “mitigação de riscos” numa maioria das vezes gerados por um insuficiente conhecimento e por recursos e funções não existentes na esfera do operador económico (nem garantidos por via de um apoio externo especializado) ou por recursos insuficientes/não corretamente dimensionados.
Quanto ao tanto que tive oportunidade de aprender, refletir, “pensar de novo” e, também, conhecer mais no detalhe (quando não sendo o meu foco e âmbito habitual de trabalho) muito haveria para dizer e partilhar.
Mas opto por dedicar esta breve partilha a algo que “ressoou em mim” de forma particular:
Falando-se e abordando-se os vários pilares da Reforma Aduaneira da UE, várias foram as perspetivas a respeito da Base de Dados Aduaneira da UE e da Autoridade Aduaneira da UE e, em particular, do que poderão ser as concretas e reais vantagens para os operadores económicos que optem por obter a “credenciação Trust & Check”.
Naturalmente e designadamente em função do que acabou por se traduzir reduzido nível de adesão – em Portugal claramente, mas não sendo caso único na União Europeia – ao estatuto de Operador Económico Autorizado,
Muito em função de um “insuficiente” número de concretas vantagens reais em confronto com os requisitos e recursos necessário envolver num processo de certificação,
Poderá questionar-se se o que é preconizado na Reforma Aduaneira da UE como vantagens para os operadores económicos – desde logo, uma que me é muito “querida”: a de uma potencial discriminação positiva dos operadores económicos “cooperantes e que tudo fazem para garantir compliance das suas operações aduaneiras”,
Não virá a permanecer no plano das “boas intenções”, sem resultados concretos e, até, a traduzir-se numa “balança desequilibrada” em desfavor dos operadores económicos e dos seus representantes que, dispondo-se a colaborar num registo de “transparência”, acabem a assumir ainda mais responsabilidades e obrigações (como as de reporte para uma base de dados única a nível da UE) sem contrapartidas concretas de “facilitação de comércio”.
Acrescendo as dúvidas sobre se as “condições e requisitos” para uma “discriminação positiva” dos operadores económicos fiáveis, cumpridores e cooperantes não virão a assumir tal “complexidade” que acabem por não resultar acessíveis a “pequenas e médias empresas” que não disponham dos recursos humanos e materiais necessários.
Enquanto ouvia várias vertentes e opiniões sobre o tema – e com origem em diferentes perspetivas, desde a do despachante à do operador económico – uma ideia persistia na minha cabeça, talvez porque ser aquela que constato ser uma espécie de “norte” no que tem sido o meu percurso e atuação profissionais:
A de que, “das duas uma”:
- Se for de concluir que o “ter de dispor de conhecimentos, estrutura e processos e procedimentos – internos ou externos” mínimos, desde logo de âmbito aduaneiro, para poder desenvolver uma atividade que envolva operações de comércio internacional não é um requisito base necessário, independentemente de estarmos perante uma “pequena, média ou grande empresa”,
Então talvez se tenha de suscitar a reflexão, e com urgência, de que a legislação aduaneira deverá, de forma muito concreta e real, prever “requisitos, obrigações e regimes” diferentes para cada “tipo, dimensão e estrutura” de empresa (desde logo uma espécie de “regime simplificado generalizado” para as “pequenas empresas”).
- Se for de concluir que “ter de dispor de conhecimentos, estrutura e processos e procedimentos – internos ou externos” mínimos, desde logo de âmbito aduaneiro, para poder desenvolver uma atividade que envolva operações de comércio internacional é um requisito base necessário, independentemente de estarmos perante uma “pequena, média ou grande empresa”,
Então sou de opinião de que “não há volta a dar” já que, e citando o Art.º 6.º do Código Civil: “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas” (a máxima de que “o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém”):
Os vários intervenientes em operações de comércio internacional e, desde logo, os operadores económicos, têm de – seja por meio de recursos internos, de recursos externos ou uma solução “mista” – ser capazes de dominar e garantir os requisitos que advêm da legislação aduaneira e, assim, assumirem a sua quota-parte” de responsabilidades.
E aqui chegados, um último comentário a respeito do que são as responsabilidades aduaneiras assumidas (e a assumir adicionalmente, em potencial) por um representante aduaneiro atuando na modalidade de representação indireta (“em nome próprio e por conta do representado”:
Concordo que a solução não deverá passar por, não se “simplificando” a legislação aduaneira de forma a, objetivamente, poder tornar-se acessível a todo o tipo de operadores económicos (“pequena, média e grande empresa”), se obterem as “máximas garantias” dos representantes aduaneiros atuando na modalidade de representação indireta.
Mas sou também de opinião de que o contexto atual em que se reconhece, mesmo se tacitamente, de que nem todos os operadores económicos dispõem dos conhecimentos e estrutura de meios necessários para realizar “importações e exportações” e, (talvez) por isso, muitos representantes aduaneiros, apenas aceitem atuar na modalidade de representação direta (“em nome e por conta do representado”) com o inerente pedido de “procuração”,
Se perpetuem “pensos rápidos” em que se “aceite como dado adquirido” a “ignorância” dos operadores económicos por via de “um célere desembaraço aduaneiro”, sem que aos mesmos seja devolvida, sempre que necessário e aplicável, a informação do que são as lacunas identificadas, por exemplo, na documentação disponibilizada para despacho e, também, o pedido de informação adicional que permita a que quem, de facto, se reconhece deter mais conhecimentos e recursos habilitados para aplicar o direito aduaneiro, possa garantir melhor o necessário compliance.
Costumo dizer que há um binómio que deve estar sempre presente na tramitação aduaneira: celeridade (sim, que tempo de imobilização de bens necessários à atividade das empresas é dinheiro) MAS, também, compliance.
Sendo crítico garantir que se “rompe” o ciclo vicioso de tacitamente “aceitar-se como ponto de partida” que os operadores económicos não detenham o domínio necessário da legislação e dos requisitos aduaneiros e, com isso, “cumprir com a sua parte” (aquela que só ao operador económico pode incumbir porque, designadamente, é quem negoceia os contratos, conhece os implícitos termos e condições, quem emite ou recebe as faturas, quem assegura ou recebe os pagamentos quem assegura os registos contabilísticos, a receção ou expedição de bens dos seus armazéns,….).
E, para tal, não só a proatividade e iniciativa dos operadores económicos se revela crítica e essencial, mas também a de quem com eles interage e com maior domínio, conhecimentos da legislação e requisitos aduaneiros, bem como “capacidade instalada”,
Começando por incentivar e potenciar mais questões e “curiosidade” por parte dos operadores económicos, quebrando-se um eventual “mito” de que não é suposto aqueles “saberem tanto de aduaneiro” como quem os representa.
Acredito, mesmo, que só dessa forma – com “todos a saberem tanto de direito aduaneiro quanto o necessário para poder intervir em operações de comércio internacional” e a trabalharem em “parceria” (operadores económicos, despachantes, autoridade aduaneira e advogados/consultores especialistas em direito aduaneiro) – resultará possível mitigar riscos e potenciar o valor que a legislação aduaneira também permite aportar.