Para hoje uma reflexão sobre uma questão existencial já habitual, mas que tende a persistir…

E que questão é essa? A da “polaridade” implícita a:

  • Por um lado, uma complexidade técnica e multiplicidade da legislação aduaneira a considerar, conhecer, aplicar e, não raras vezes, esclarecer quanto ao que implica, em concreto, na aplicação a operações e decisões reais e materiais que, por um lado, pressupõe:

– Desde logo um conhecimento da mesma e uma capacidade de a “interpretar e aplicar”,

– Tempo para a identificação, estudo e aplicação na tradução quanto ao que são as implicações e conclusões para os negócios e operações em prospeção e planeamento,

– Recursos humanos (seja em termos de “número”, seja em termos de perfis e competências) e materiais para uma adequada, eficiente e correta aplicação das normas e boas práticas,

– A criticidade de se conhecer, em concreto e com um mínimo de detalhe e informação (mediante a identificação das questões certas para uma correta identificação da “situação factual”), o enquadramento das operações a estudar e enquadrar numa perspetiva aduaneira. 

  • E, por outro, a real possibilidade de assegurar o acima referido por operadores económicos que:

– Não disponham internamente de recursos dedicados e com o nível de conhecimento, especialização e perfil necessários para atuarem como “peritos e consultores aduaneiros” inhouse, nem, no mínimo,

– De um adequado sistema de “alarmística” que lhes permita identificar/ter claras as situações em que será prudente e aconselhável a consulta de um especialista em temas aduaneiros em antecipação à assinatura de um contrato, à colocação de uma ordem de compra, à adjudicação de um transporte, ao envio da documentação ao despachante para que assegure o despacho.

Vejamos uma situação que poderá ser, ainda, mais frequente do que se possa imaginar:

  • Um cliente, possivelmente através da sua área logística, incluir no “caderno de especificações” disponibilizado ao seu fornecedor, o requisito de apresentação de um documento “EUR1” entre o conjunto de “documentos a disponibilizar no momento da expedição;
  • O fornecedor, recebendo esta informação normalmente através das áreas comerciais e/ou logística, confirma ao cliente que disponibilizará toda a documentação solicitada, assumindo tratar-se de “mais um documento logístico habitual e passível de disponibilização”;
  • O facto de não ser assegurada qualquer validação de âmbito aduaneiro em momento prévio àquele em que o fornecedor assume, perante o seu cliente, o compromisso de disponibilizar o “EUR1”, tem como consequência a ausência de uma pré validação:   

          – Sobre se, de facto, há condições para assumir aquela responsabilidade e, havendo,

– Quais as condições a cumprir que poderão ter implicações na vertente de sourcing/compras/produção (ou seja, que se poderão traduzir em condições que o próprio fornecedor poderá ter que garantir na produção e na seleção de materiais);

  • Chegado o momento da expedição e da disponibilização ao cliente dos documentos a que contratualmente o fornecedor se obrigou, coloca-se então a questão de “há um EUR1 para emitir” e, talvez até o próprio cliente (se estiver estabelecido num país particularmente “complexo” nos requisitos e controlos aduaneiros à importação) possa ter disponibilizado uma minuta do documento a emitir.

“Correndo bem” e:

  • Ou sendo nesse momento envolvida uma área aduaneira (interna ou externa ao operador económico) que “colocará as questões certas” e, já “a correr contra o prejuízo”, poderá ter que dar a “má notícia” de não se encontrarem reunidas as condições para emissão do “EUR1”,
  • Ou, chegando o pedido de despacho ao despachante incluindo a indicação de que será de emitir um EUR1”, este solicite uma “declaração do exportador”,

– Não se bastando com a identificação na fatura de uma origem “UE” como “país de origem”,

– Nem assumindo que o seu cliente tenha assegurado, previamente, todas as validações necessárias, nem que esteja na posse de toda a evidência que permita comprovar, perante as autoridades aduaneiras, que se encontram reunidas e documentadas as condições que tornam os bens a expedir elegíveis para emissão do EUR1.

E, desse simples pedido, resulte clara a necessidade de algumas averiguações adicionais para que se possa concluir se, de facto, será possível e seguro, emitir o documento solicitado.

Não “correndo tão bem”, pode acontecer que o EUR1 seja emitido – contendo uma implícita “declaração de responsabilidade” do exportador de que “é verdade e se encontra documentado” o que se declara e atesta por via daquele documento e,

Mais tarde, por exemplo, no momento da importação no destino (ou até num controlo à posteriori) seja identificado pela autoridade aduaneira do país de importação que o EUR1 foi emitido indevidamente.

Qual o problema? É que aquele documento “logístico” consiste num um certificado que atesta a origem preferencial dos bens a que respeita, pressupondo:

  • Que esses bens, e com referência ao respetivo código pautal e à concreta regra de origem preferencial a observar nos termos do respetivo acordo de comércio livre, cumprem a regra que os torna elegíveis para:
    • Certificação de origem preferencial (por via do EUR1 – se essa for a via e documento previsto no acordo de comércio livre aplicável) e, consequentemente,
    • Para importação no destino com eliminação ou redução dos direitos aduaneiros aplicáveis.
  • Que o exportador assegurou e documentou o estar cumprida a regra de origem preferencial aplicável para os bens que, em concreto, se estão a expedir, sob pena de ter prestado “falsas declarações”, das quais resultam riscos:
    • Para si próprio, perante a autoridade aduaneira do seu país e no contexto da relação comercial com o seu cliente;
    • Para o cliente, perante a autoridade aduaneira do país de importação – aquela que iria abdicar da cobrança de direitos aduaneiros com base num documento indevidamente emitido.

Creio que este exemplo do “EUR1” será autoexplicativo quanto à complexidade e responsabilidade associada ao que pode ser considerada uma “simples emissão” de um documento “de expedição” que, sendo aduaneiro, possa não ser convenientemente identificado como tal,

E aos conhecimentos técnicos necessários para que se possa assegurar uma adequada e atempada avaliação dos requisitos aplicáveis e, consequentemente, para a operacionalização das ações necessárias para avaliação ou garantia da elegibilidade dos bens para a requerida certificação de origem preferencial.

A ideia de que emitir um “EUR1” vai bem para além de preencher e assinar o respetivo formulário e solicitar ao despachante que obtenha o respetivo “carimbo da alfândega” poderá ser boa de reter para ilustrar que, no contexto aduaneiro, normalmente há bem mais para além da “ponta do iceberg” do que o que se possa assumir…

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