A propósito da recentemente divulgada reforma da União Aduaneira da União Europeia e qualificada como a mais ambiciosa e abrangente desde a sua criação em 1968:
Sim, sem dúvida AMBICIOSA e deixará muitos a pensar que “será ver para crer”.
Para os interessados em aprofundar o conhecimento do tema, podem encontrar nesta localização (https://taxation-customs.ec.europa.eu/customs-4/eu-customs-reform_en) a informação disponível (ainda apenas em inglês).
É muita a informação a ler, processar e aprofundar…
Sendo que, para começar, senti necessidade de entender qual o racional, intenções e objetivos na base da mesma,
Entendendo que poderia ser oportuna a partilha do que, até agora, me chamou particularmente a atenção, considerando o meu foco habitual: oportunidades e/ou implicações para os operadores económicos.
São identificados três pilares essenciais para a reforma proposta:
- Nova parceria com as empresas (operadores económicos);
- Abordagem mais inteligente aos controlos aduaneiros;
- Abordagem modernizada ao e-commerce.
Quanto ao pilar 1, algumas ideias chave:
- A possibilidade futura de os operadores económicos que pretendam introduzir bens no território aduaneiro da UE, de disponibilizarem a informação (relativa aos bens e a dados da cadeia de abastecimento) numa localização única online: EU Customs Data HUB,
Consistindo numa tecnologia que, combinando a intervenção da “máquina” (inteligência artificial, aprendizagem automática) e humana, permitirá às autoridades aduaneiras dispor de uma visão “360 graus” das cadeias de abastecimento e do movimento de bens;
- Nos casos em que os processos de negócio e de cadeia de abastecimento sejam completamente transparentes (resta saber, em concreto, o que significará/implicará obter esta qualificação), os operadores económicos mais fiáveis (“Trust and Check traders”) poderão obter autorização de introdução em livre prática na UE de bens importados de países ou territórios terceiros, sem que resulte necessária uma intervenção concreta das autoridades aduaneiras.
Esta possibilidade “promete” reforçar (e, se/quando real, diria que concretizar) a eficácia e interesse da já existente “certificação de operador económico fiável e cumpridor para efeitos aduaneiros” – o estatuto de Operador Económico Autorizado.
Podendo parecer ambicioso, considerando a evidência histórica do quanto se tende a subavaliar o tempo e recursos necessários para reformas aduaneiras, o plano é o da implementação deste EU Customs Data HUB:
- Em 2028 para fornecimentos via e-commerce;
- Em 2032 para os demais operadores económicos importadores, de forma voluntária, com a promessa de potenciar benefícios e simplificações imediatas, de entre as quais a possibilidade de os operadores com o “selo de fiabilidade” de “Trust & Check traders” poderem assegurar o desembaraço aduaneiro de todas as suas importações perante as autoridades aduaneiros do Estado-Membro onde se encontrem estabelecidos;
- Sendo de assegurar uma avaliação em 2035 quanto à possibilidade de extensão e aplicação obrigatória a todos os operadores económicos a partir de 2038.
No que se refere ao pilar 2, destacaria o seguinte:
- Recurso a inteligência artificial para análise, monitorização e previsão de problemas, ainda antes do início da expedição dos bens com o destino ao território aduaneiro da UE,
- Permitindo focar os esforços, recursos e tempo das autoridades aduaneiras onde se identifiquem reais necessidades e, neste contexto e ainda que extrapolação da minha parte: esperando-se que com benefícios reais e concretos para os operadores económicos fiáveis e cumpridores.
E quanto ao pilar 3:
- Tornar as plataformas online de comércio eletrónico os “atores chave” na responsabilidade de garantir que os bens vendidos online com destino ao território aduaneiro da UE cumprem com as obrigações aduaneiras e com os standards de segurança, ambiente e éticos da UE,
Incluindo o garantir que os direitos aduaneiros, IVA e demais imposições que sejam devidas são pagas no momento da compra, prevenindo custos extra e/ou obrigações declarativas com que o consumidor final se tenha que confrontar no momento da receção do bem;
- Eliminação da franquia aduaneira de baixo valor (€150), em função do potencial de uso abusivo e fraudulento por via da subavaliação dos bens quando declarados para importação e, em paralelo,
- Simplificação da determinação da dívida aduaneira para as remessas de baixo valor com o implícito objetivo de uma alocação proporcional e ajustada dos recursos das plataformas de vendas online e das autoridades aduaneiras, perante um número de remessas materialmente relevante e crescente associado ao comércio eletrónico.
Em síntese, são indicados como objetivos desta reforma aduaneira:
- Concretizar um contexto colaborativo – na base da União Aduaneira – mais eficiente e eficaz do ponto de vista de custos, tendo por base uma (nova) relação de parceria entre as autoridades aduaneiras da UE e entre as autoridades aduaneiras e os operadores económicos,
- Visando:
– Reduzir custos de compliance para as autoridades aduaneiras e operadores económicos através de procedimentos simplificados e modernizados;
– Habilitar as autoridades aduaneiras a melhor salvaguardarem os interesses financeiros e não financeiros da EU, dos seus Estados-Membros e do mercado único, tendo por base uma gestão e avaliação de risco com.um e controlos mais harmonizados.
Inquestionavelmente são “chave” para os operadores económicos aspetos como:
- Simplificação e celeridade nos processos de desembaraço aduaneiro;
- Reconhecimento real e concreto – nas vantagens e benefícios que potencia – dos operadores fiáveis e cumpridores;
- Análises de risco mais eficazes nos resultados que produzem, no sentido de se alocarem recursos, tempo e dinheiro (das autoridades económicas e dos operadores económicos) a controlos que efetivamente se justifiquem.
Sendo verdade que assistimos a diferentes “capacidades, recursos e funcionalidades instaladas” em cada um dos 27 Estados-Membros da União Europeia…
Ainda me recordo de, em 2018, ter tido oportunidade de visitar o porto de Roterdão numa visita guiada pelas autoridades aduaneiras e nos ter sido explicada a forma como,
Com recurso a modelos complexos de análises de dados, asseguravam uma avaliação de risco que visava, precisamente, garantir uma seleção para controlo, designadamente físico das remessas que, com base em dados objetivos e concretos, apresentavam uma probabilidade elevada de risco potencial.
E, com recurso a tecnologia, conseguiam visualizar e controlar o conteúdo de um contentor sem terem necessariamente – pelo menos para um despiste inicial – que o “abrir e verificar fisicamente”.
Em confronto com o que, pelo menos de acordo com o que tem sido a minha experiência na realidade aduaneira em Portugal, considero ser um contexto em que as nossas autoridades aduaneiras vão fazendo o melhor que podem com os (nem sempre abundantes e mais adequados) recursos que têm disponíveis. O mesmo se podendo dizer dos operadores económicos e despachantes.
A esperança de que, estando de novo em debate uma (profunda e ambiciosa) reforma aduaneira ao nível da UE, se relembre a todos os stakeholders relevantes o interesse estratégico e crítico da vertente aduaneira para a competitividade económica da UE e de cada um dos seus Estados-Membros.