Já diz o ditado popular que “no meio é que está a virtude”…

E diria eu que é um ditado que resume bem a conclusão a que cheguei após algumas reflexões que tenho vindo a fazer sobre o tema das modalidades possíveis de representação aduaneira.

Mas começando pelo início:

  • Representante aduaneiro: qualquer pessoa designada por outra pessoa para executar junto das autoridades aduaneiras os atos e as formalidades exigidos pela legislação aduaneira” (Artigo 5.º, 6) do Código Aduaneiro da União)
  • Qualquer pessoa pode designar um representante aduaneiro. Essa representação poe ser direta, caso em que o representante aduaneiro age em nome e por conta de outrem, ou indireta, caso em que o representante age em nome próprio, mas por conta de outrem” (Artigo 18.º, n.º 1 do CAU)
  • Nas suas relações com as autoridades aduaneiras, o representante aduaneiro deve declarar agir por conta da pessoa representada e precisar se se trata de representação direta ou indireta” (Artigo 19.º, n.º 1 do CAU)
  • Qualquer pessoa que não declare agir na qualidade de representante aduaneiro, ou que declare agir na qualidade de representante aduaneiro sem possuir habilitação para o efeito, é considerada como agindo em nome e por conta próprios” (Artigo 19.º, n.º 1 do CAU).

Esta questão da representação aduaneira assume relevância no contexto dos operadores económicos que tenham externalizada a execução das formalidades aduaneiras, ou seja, aqueles que contratam (com recurso a maiores ou menores formalidades) um terceiro para assegurar a tramitação aduaneira de importação ou exportação.

Nem sempre partirá do operador económico uma reflexão e consequente definição do que pretende garantir – na contratação do serviço aduaneiro – a respeito da modalidade de representação a atribuir ao terceiro.

Arriscaria até dizer que uma maioria nem pensará no tema até que, da parte do representante aduaneiro (e talvez até já no contexto de um concreto despacho aduaneiro em execução), se confronta com o pedido de uma declaração que deverá ser preenchida e assinada e que,

Se analisada com o cuidado que sempre se imporá à assinatura de algo, permitirá concluir tratar-se do documento por via do qual se atribuem poderes de representação ao terceiro prevendo, como regra geral, a modalidade de representação direta, ou seja, acautelando que o representante obterá poderes para atuar EM NOME e POR CONTA do operador económico.

Apenas uma nota adicional de que, se não analisado o documento com cuidado e acabar por ser “assinado à pressa para não atrasar o processo de desembaraço aduaneiro”, poderá até vir a revelar-se desprovido de valor legal, se não for assinado por quem tenha efetivos poderes de representação do operador económico para atribuição de poderes de representação a terceiros…

Mas o ponto central da reflexão que queria trazer para hoje era o seguinte:

Não é necessariamente correto que apenas a modalidade de representação direta faça sentido, nem que a modalidade de representação indireta não faça nunca sentido.

A verdade é que:

  • Se o operador económico não refletir sobre o tema avaliando, com conhecimento e devidamente informado, quanto ao que (lhe) faça sentido, poderá confrontar-se com uma realidade que considerará como a “normal e única possível” de lhe ser solicitada a assinatura do tal “documento” que prevê a modalidade de representação direta.

Afinal, essa é a modalidade de representação que salvaguarda e limita as responsabilidades a assumir pelo representante aduaneiro, contexto em que, se não suscitada a questão pelo operador económico, não será provável que a iniciativa de propor a modalidade indireta de representação parta do representante aduaneiro.

  • De facto, tendo modalidade de representação indireta, implícitas maiores responsabilidades a assumir pelo representante aduaneiro, desde logo a de se tornar devedor solidário com o representado perante a Autoridade Aduaneira, não será provável que seja sugerida pelo representado ao operador económico.

Diria que, na sua génese, pressuporá uma relação de conhecimento e confiança mútua, para além das devidas salvaguardas no sentido de que, perante irregularidades detetadas pela Autoridade Aduaneira, haver a garantia de que cada um – representante e representado – assumirá a respetiva “quota parte” de responsabilidades.

Ou seja, que:

  • Nem o operador económico se “aproveitará”, deixando que seja o representante aduaneiro a arcar com as responsabilidades do que não teria como “garantir, acautelar, evitar”;
  • Nem o representante aduaneiro deixará de assumir as responsabilidades que, na minha perspetiva, serão um pré-requisito de contratação de um terceiro que se pretenda que seja mais do que um mero “facilitador administrativo de preenchimento e comunicação de dados”:

As implícitas a um terceiro que se supõe dispor dos conhecimentos técnicos necessários para o cumprimento das formalidades aduaneiras, para além de um “código de ética e de conduta” profissional que garanta, de base, uma adequada representação.

A este respeito, aproveito para deixar o desafio aos operadores económicos de revisitarem os seus processos de “contratação de representantes aduaneiros” e avaliarem se estarão ou não a assegurar algum tipo de avaliação da capacidade e, designadamente, da disponibilidade nos mesmos dos recursos materiais e humanos necessários para o serviço a prestar. Para além do eventual (diria que relevante) requisito de deterem a certificação de Operador Económico Autorizado.

Na minha experiência profissional conheço a realidade de ser possível, e real, a contratação de representantes aduaneiros com o acordo da modalidade indireta de representação aduaneira.

Aquela que tem implícita a confiança de parte a parte que “cada um assumirá as responsabilidades que são as suas”, precisamente porque cada parte assegurará o que é o seu âmbito próprio de intervenção com o dever de zelo, diligência e cautela que se impõe,

Na certeza para o:

  • Representante aduaneiro, de estar a trabalhar com um operador económico que “sabe o que é suposto fazer” no que respeita aos preceitos aduaneiros aplicáveis e que não vai “cobrar” apenas celeridade no despacho aduaneiro (esperando que não complique com “burocracias” aduaneiras)
  • Operador Económico de estar a delegar a representação aduaneira num terceiro que, sempre que necessário “levantará a mão” a alertar para o que seja adicionalmente necessário validar ou acautelar para garantir um adequado compliance

Bem sei que a realidade que tenho a “sorte” de conhecer não será uma “regra geral”…

E que será tanto menos comum em contextos em que a representação aduaneira procurada pressuponha uma negociação de uma cobertura territorial que ultrapasse as fronteiras de um país (no contexto da UE ou, até, num contexto mais global).

Mas continuo a achar que, ainda assim, valerá sempre a pena ao operador económico:

  • Desde logo saber que se encontram previstas na legislação aduaneira duas modalidades possíveis de representação aduaneira;
  • Não partir do princípio de que só a modalidade direta será possível de negociar;
  • Considerar que, se por exemplo, ao negociar com um operador global – e, nesse contexto, muito possivelmente um operador logístico – que disponibilize no cardápio dos seus serviços também o de representação aduaneira, será possível que este só admita a modalidade de representação direta e que, como consequência,

Serão maiores as responsabilidades a assumir pelo operador económico e que, nesse contexto,

  • Sim, poderá fazer sentido acautelar bem o que está a ser negociado:

– Como âmbito de serviço a prestar pelo representante aduaneiro,

– Quanto às responsabilidades contratuais que se possam querer acautelar para garantir um incentivo extra a um “dever de diligência” do representante aduaneiro e evitar que fique demasiado focado no KPI de “transportar rapidamente do Ponto A ao Ponto B” e, claro,

– Como preço: se, por exemplo, o serviço se traduzir em receber um ficheiro eletrónico já com todos os dados necessários ao preenchimento e submissão das declarações aduaneiras trabalhados e facultados pelo operador económico e num formato que até permita um upload quase direto no sistema da alfândega com o mínimo de intervenção (técnico-aduaneira) do representante aduaneiro, não estará a ser contratado “apenas” um serviço administrativo e de utilização de sistema?

  • Ter consciência que se o representante fizer (apenas e na exata medida) o que o representando lhe “indicar e disponibilizar”, então talvez seja crítico que o operador económico disponha, internamente, dos meios materiais e humanos necessários (designadamente com a devida a formação e conhecimentos aduaneiros) que lhe permitam assumir a quase integral responsabilidade pelo que virá a ser declarado às Autoridades Aduaneiras em seu nome.

Nem sempre nem nunca representação (in)direta…Sendo recomendável aos operadores económicos que tomem cada vez mais, e proactivamente, decisões conscientes e informadas quanto ao que também na sua esfera faça mais sentido (no mínimo tentar) acautelar….

 

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