Já abordei no passado este tema, mas “volta e meia” confronto-me novamente com algo que me faz pensar nele de novo…
Para alguém com o meu percurso profissional – e perfil – torna-se um grande desafio quando sou confrontada com a missão de recrutar para funções que, sendo “aduaneiras”, se qualificam como “operacionais”. E porquê?
Porque mesmo sendo “operacionais”, não deixam de ser associadas a uma área técnica e complexa como é o ramo do direito aduaneiro.
E, sim, ramo do “direito” – sempre bom relembrar que tem uma base normativa União Europeia (coluna vertebral: Código Aduaneiro da União (CAU), Ato Delegado do Código Aduaneiro da União (AD-CAU) e Ato de Execução do Código Aduaneiro da União (AE-CAU).
E, sim, complexa…
Daquelas em relação à qual é difícil conseguir garantir a “operacionalização no dia-a-dia”,
- Desde o envio de instruções de despacho ao despachante com a documentação “certa, final e validada” (no sentido de que “com a informação necessária para garantir o compliance aduaneiro”), no modelo de outsourcing do preenchimento e submissão das declarações aduaneiras
- Até à preparação e submissão pela própria empresa das (suas) declarações aduaneiras no modelo em que, em função do número de declarações e da disponibilidade de recursos (normalmente resultante de uma análise custo benefício que pode ter como resultado a conclusão de que “compensa” internalizar), essa ação seja assegurada pelo operador económico importador/exportador
Com recurso a colaboradores de quem não se espere que tenham um mínimo de conhecimentos aduaneiros e, em simultâneo (diria até que como consequência), capacidade para manter “ativo e desperto” um espírito crítico, mas, mais, que “sejam rápidos” na execução.
Claro que esta é a minha visão e entendimento – nem “certa nem errada”, apenas a minha,
Sendo que tenho sempre grandes reservas quanto a cenários em que se assuma que:
- Através de procedimentos que descrevam “como proceder, passo a passo”,
- Formações que se foquem na explicação do “executar o passo a passo” (já que a formação sobre a “imensidão” de vertentes do direito aduaneiro poderá “levar uma vida e, ainda assim, não ser suficiente…”)
- E “reciclagens periódicas”, quer dos procedimentos, quer das formações do “passo a passo”,
É possível “ficar descansado”, no sentido de que as declarações aduaneiras estejam a ser corretamente preenchidas e que, o que sejam as “lacunas nos procedimentos” e, até, as situações novas que exigem novos procedimentos, são identificadas por quem executa.
Por outro lado, o papel de quem, em última instância, assume a responsabilidade por garantir não só o cumprimento da legislação aduaneira,
Como também a implementação das oportunidades de otimização de custos aduaneiros e/ou de contributo da competitividade do operador económico quando negoceia, por exemplo, com clientes (sim, porque a vertente aduaneira também pode contribuir para a competitividade e margem…),
Torna-se ainda mais exigente quando tenha que:
- Garantir que não só existem os procedimentos necessários, como também que são “completos” e que se mantêm sempre atualizados,
- Formar para a execução do processamento das declarações aduaneiras em observância de um binómio nem sempre “fácil” de conciliar: celeridade e compliance,
- E monitorizar/auditar para garantir que, existindo risco e/ou ineficiências, é detido o conhecimento (tipificação e quantificação) e assegurada uma graduação de “risco/materialidade” para que, mais tarde, “não venham as surpresas” e, claro, para que se possam ir “aperfeiçoando” os procedimentos e “afinando” a formação.
Talvez também porque sei que, quando temos conhecimento e experiência, além do “perfil adequando”, temos o “espírito crítico” e a “curiosidade intelectual” sempre bem ativos e, verdade, isso faz com que “nada nos passe ao lado”, mesmo quando – e quantas vezes…- até não tenhamos, depois, uma resposta imediata e tenhamos que ir “investigar, estudar, consultar”.
Pode até ser visto como contraproducente o que se entenda como “saber demais do que o necessário para executar”,
Mas eu considero necessário e recomendável garantir que quem executa sabe o “mínimo necessário” (mesmo se nem sempre fácil de concretizar, desde logo no processo de recrutamento e de seleção de candidatos, em que consiste esse “mínimo…) e, assim,
Que é capaz de identificar “o que não faça sentido” ou “o que talvez fizesse sentido fazer de uma forma diferente da descrita no procedimento, para aquela situação concreta” e de “levantar a mão” para que, quem tenha então essa responsabilidade, possa analisar e indicar como será então de proceder e, se/quando aplicável, atualizar o procedimento.
Quem está “no terreno a executar” é quem tem uma visão privilegiada, em primeira mão e atempada, do que está (realmente) a acontecer e, por isso, entendo que na aplicação do direito aduaneiro, há um mínimo de conhecimentos e experiência necessários que tornará incompatível uma correta e eficaz execução do “dia-a-dia” do compliance aduaneiro, com a mesma a ser assegurada por quem não os detenha.
Esta reflexão de hoje “liga” com a anterior, no sentido de que, executar bem e de forma eficaz o compliance aduaneiro não é “perfeição”, mas um ponto de partida que não deverá ser “negociável”.
E, assim sendo, antecipo dificuldades e riscos vários se, quem seja chamado a “executar”, no âmbito de responsabilidade de uma função aduaneira (desde as obrigações de compliance aparentemente “mais simples”, até às mais complexas como seja, por exemplo, a operacionalização de regimes especiais), não detiver um mínimo de conhecimentos aduaneiros, curiosidade intelectual e espírito critico e,
Muita, mas mesmo muita vontade de aprender sempre e mais, sabendo que, uma vez “aberta a caixa (des)conhecimento”, se vai confrontar com uma única certeza: a de que será sempre maior a fatia do conhecimento ainda a adquirir do que o já adquirido.
Mas que o essencial é já detido e garantido: saber questionar e, se necessário, “onde procurar as respostas” e, dessa forma, contribuir, sempre, não só para o compliance e eficiência, mas também para a melhoria contínua.