Há uma palavra que tem persistido no meu pensamento e sobre a qual entendo fazer sentido refletir um pouco: PERFEIÇÃO.

Isto porque, coincidência ou não, a tenho ouvido várias vezes nos últimos tempos associada a processos e procedimentos que poderiam fazer sentido definir, afinar ou, até mesmo, reformular, conexos com operações de comércio internacional.

Procurando concretizar um pouco, vou utilizar um exemplo que poderá parecer “banal” e, até, daqueles que muitos se questionarão a respeito de qual o tema em concreto, perante o que possa ser uma prática mais ou menos generalizada e, assim, potencialmente considerada como “correta”:

Já poderão ter “ouvido” falar em “declarações Y” seja num contexto em que:

  • A declaração aduaneira foi submetida e, já depois, perante informação de ter sido selecionada para controlo documental, ter sido solicitada pelo terceiro a quem tenha sido delegada a ação de preparação e submissão da declaração aduaneira a assinatura de uma declaração contendo referência a várias “declarações Y”,
  • Ou em que a mesma declaração seja disponibilizada antes da submissão da declaração aduaneira, proativa e preventivamente sinalizada como “necessária” para o processamento da mesma.

Podendo até ser prontamente disponibilizada, para “facilitar e agilizar”, uma minuta da dita declaração.

Perante um princípio que me é “muito caro”: o de que quando me pedem para assinar algo, ser necessário que eu perceba o sentido do que estou a assinar para, em função do mesmo, eu poder concluir se tenho condições para validar e comprometer-me a respeito do conteúdo da mesma, perante os “potenciais interessados e destinatários”,

A primeira vez com que me confrontei com um exemplo desse tipo de declarações, as conclusões foram:

  • Não só no sentido de que eu não teria condições de a assinar (por não ser a “função” que deteria o conhecimento de “produto” necessário para o conteúdo que se pretendia validar),
  • Como também no da identificação da necessidade de (in)formação aos “clientes internos” quanto ao que estava subjacente à mesma e de,
  • (Re)validação interna sobre se o que deveria acontecer a “montante” do da declaração e apresentação de uma concreta mercadoria perante uma estância aduaneira, estaria acautelado.

E é a respeito deste último ponto que, agora, entre um pouco mais em detalhe:

Já tive oportunidade de abordar numa partilha anterior o tema dos requisitos aplicáveis para a autorização de introdução “em livre prática e no consumo” de bens expedidos com destino ao território aduaneiro da UE, a partir de um país ou território terceiro (v.g., China),

E que podem ir desde requisitos de produto como seja o de “marcação CE”, apresentação de “certificado de conformidade”, até a uma licença necessária para a importação.

E este tipo de requisitos têm que ser garantidos como “cumpridos” – os que em concreto se identifiquem como aplicáveis – ainda no processo de sourcing e negociação com o fornecedor estabelecido no país terceiro, precisamente para garantir que os bens que se estejam a adquirir ou a autorizar que sejam expedidos com destino ao território aduaneiro da UE podem de facto ser importados.

Porque a consequência mais imediata de, “à chegada à fronteira” da UE, e da obrigatória “declaração/apresentação” dos bens à estância aduaneira do Estado-Membro de entrada, não estarem cumpridos os requisitos aplicáveis, é a da não autorização da entrada e consequente necessidade de devolução à origem (custos acrescidos e bem não disponível) ou destruição.

Sendo ainda relevante considerar que o controlo do cumprimento dos requisitos aplicáveis não se esgota no momento da importação, podendo – e sendo – objeto de controlo à posterior, por exemplo, por entidades como a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) ou o Infarmed, entre outras.

E porque “volto agora ao tema”?

Precisamente porque as “declarações Y” correspondem a códigos/referências a declarar na Casa 44 das declarações aduaneiras e que têm um “valor declarativo”, por exemplo, de estar cumprida uma determinada condição para a importação/exportação de um bem no/do território aduaneiro da UE ou de não ser aplicável ao concreto bem a importar um requisito que condicione a autorização de importação/exportação (v.g., de que não se trata de um bem “incluído na lista de produtos de dupla utilização” não sendo, consequentemente, necessária licença – Y901).

Competindo, primariamente, ao operador económico importador/exportador conhecer, em concreto, que requisitos são aplicáveis aos bens que pretenda importar/exportar, para saber o que haverá a declarar, e estar preparado para o documentar perante a estância aduaneira e, consequentemente,

Se as declarações aduaneiras forem processadas por um despachante, indicar ao despachante o que haverá a declarar já que, sem essa informação, o despachante terá que o solicitar ao operador económico já no momento da importação/exportação (assumindo que não vá “tentar adivinhar” ou utilizar como potencial critério – perante a não disponibilidade do seu cliente para prestar informações adicionais – a escolha do código que “permita avançar”…).

Ora, uma declaração que, mesmo tendo sido emitida e assinada pelo operador económico, contenha uma lista generalizada de códigos Y (mesmo se referindo a legislação e, até, a uma breve descrição, do âmbito sobre que verse cada “código Y”) e que, assim, se revele aplicável potencialmente a “tudo e a nada” em concreto tem, pelo menos para mim, um valor probatório, próximo do “zero” se pelo menos não tiver como base um processo interno na esfera do operador económico que lhe permita, no mínimo, garantir que conhece:

  • Conhecer o âmbito potencial de aplicação da mesma: todos os bens que importe ou exporte
  • Sabe o que haverá a declarar – como “declaração/código Y” aplicável em função do código pautal dos bens a importar/exportar – para cada concreto bem
  • Quando aplicável, dispõe da evidência documental necessária e que, como consequência do “código Y” a declarar, poderá ser necessária apresentar,

– Seja perante a estância aduaneira ou, já depois de autorizada, por exemplo, a importação,

– Seja perante autoridades nacionais que venham a assegurar um controlo já posterior à importação ou, até,

– Seja perante autoridades que sejam chamadas a averiguar um incidente, por exemplo decorrente de uma lesão ou dano ocorridos no território UE como consequência da utilização de um bem importado que não cumpria os requisitos para introdução no consumo/utilização que visam, também, garantir a segurança dos “destinatários/consumidores” EU.

E aqui chegados surge então potencialmente a alusão a “num mundo perfeito” assim seria. Mas estamos no “mundo real” em que tal é muito difícil de garantir…

Verdade que poderá não ser fácil, sendo mais um – de entre muitos e muitas vezes complexos e multidisciplinares requisitos – a acautelar em operações de comércio internacional que envolvam tramitação aduaneira…

Mas quer se queira, quer não, a partir do momento em que é obrigatório “declarar algo”, tal tem por consequência que sempre se assumirá que o que se declara corresponde à verdade e, assim, sendo, que quem declara sabe o que haverá a declarar e está em condições de o documentar e comprovar quando necessário.

Já para não falar de que, numa grande maioria de casos de “declarações Y”, estão implícitos requisitos que têm na base regulamentação cujo âmbito é o de garantir standards como de segurança, ambientais e proteção dos operadores europeus face a situações de concorrência desleal, a respeito dos quais o operador económico importador/exportador deveria ser o primeiro interessando em “garantir”.

E que há, pelo menos para mim, uma “linha” que separa a diferença entre “Perfeição” no sentido de “utopia” e o manter-se claro o que é necessário garantir e os recursos, meios e procedimentos necessários e, consequentemente, mesmo quando (ou enquanto) não se consiga atingir a dita “perfeição” de processos e procedimentos, manter-se também clareza quanto ao que “esteja em falta” e ao que possam ser os riscos e as inerentes medidas de mitigação a implementar.

Eu cá prefiro ir “jogando pelo seguro” e manter uma espécie de auto integridade e honestidade intelectual, sabendo “o que faço e porque faço”, bem como “o que tenho de perceber e/ou estudar melhor”. E, assim, continuar a “não assinar de cruz” mesmo quando me dizem “mas é mais prático, todos fazem assim e, para quê complicar…”.

     

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