No meu dia-a-dia vou-me confrontando com alguns desafios e questões que, para não variar, me deixam a pensar quanto ao que, de facto, “fará sentido”, “será possível” e até, “será preferível”.
E é no contexto desse contínuo questionamento que dou por mim a pensar que talvez seja bom partilhar, não vá haver quem se vá confrontando com questões similares ou, porventura, acabe também a identificar relevante “parar e pensar”.
Desta vez refiro-me a algo que, por muito que esteja claro para mim fazer sentido acautelar e disponibilizar, os temas e questões do dia-a-dia, acabam por consumir o “tempo e energia” disponíveis sobrando pouco tempo – pelo menos de qualidade e disponibilidade mental – para abordar:
O garantir de procedimentos que, descrevendo objetivos a alcançar, âmbito, passos e tarefas, assim como “quem faz o quê e quando”, possam garantir que “qualquer um, com um mínimo de conhecimentos” possa executar, assim como que “quem quer que execute, executa de acordo com as normas e regras que façam sentido, definidas por quem tenha responsabilidade de governance de uma dada função”.
Implicando, desde logo, e quando criada uma função:
- Pensar para que processos chave fará sentido garantir a existência de procedimentos escritos e disseminados pelos “atores chave” dentro da organização;
- Criar os procedimentos com um duplo objetivo:
– Serem acessíveis e claros o suficiente para poderem ser “lidos, entendidos e aplicados” e, simultaneamente,
– Não deixarem de fora “nada que seja relevante”, no sentido de garantir que cobrem as variáveis possíveis de identificar e antecipar, para que possam ser “abrangentes o suficiente” para, pelo menos, conterem a identificação do que serão possíveis situações críticas a respeito das quais a melhor orientação será instruir quem executa a consultar as áreas técnicas, para análise e instrução ad hoc – a que faça sentido para casos concretos.
E, depois dessa base criada, garantir uma supervisão, controlo e monitorização da eficácia dos procedimentos e real aplicação no “dia-a-dia”, assim como a identificação das necessárias atualizações. Isto se não quisermos correr o risco de os procedimentos se tornarem obsoletos, desfasados da realidade e/ou de alterações técnicas/legislativas.
E numa área técnica como a aduaneira e tributária, em geral, admito que, pelo menos para mim, vai sendo um desafio. E porquê?
Desde logo porque pensar e criar procedimentos que garantam uma boa base de cobertura e eficácia não só na mitigação dos riscos no cumprimento das obrigações aduaneiras, mas também na potenciação de oportunidades, pressupõe um mínimo de dois ingredientes chave:
- Tempo – recurso tendencialmente escasso em confronto com todas as demais solicitações e necessidades que se vão sucessivamente apresentando como mais prementes;
- Conhecimento, desde logo técnico-aduaneiro, mas também o da realidade concreta do contexto, operações e decisores e atores chave do importador/exportador.
E se ficássemos por aqui, seria já suficiente para ilustrar a dificuldade de concretização quando são vários e múltiplos os âmbitos de intervenção da área que terá a responsabilidade ou, pelo menos, a capacidade, de os criar, monitorizar e atualizar.
Para onde vai a nossa atenção e foco flui a nossa energia (já todos teremos ouvido esta expressão) e é bem verdade, já que, se o foco for também o “fazer acontecer” no dia-a-dia, o colocar por escrito o como deve acontecer ou, até, o pensar mais estrategicamente a respeito de “como poderia ou deveria acontecer melhor”, tende a ser sucessivamente adiado.
Mas depois surge uma outra dificuldade que é a de, conhecendo a tecnicidade e potencial complexidade dos temas implícitos a operações de importação e de exportação, pode tornar-se difícil conseguir traduzir, no papel, instruções de trabalho que sejam,
- Suficientemente abrangentes,
- Mas não demasiado ao ponto de se tornarem demasiado complexas, perante o objetivo de que sejam entendidas e executadas por quem, desde logo e normalmente por questões de eficiência, se poderá pretender que se “limite a executar, seguindo os passos e ações descritas” para, por exemplo, maximizar o número de declarações aduaneiras processadas.
Não é impossível, claro. Até porque, como me tem dito e repetido um amigo, “o impossível é provisório”.
Mas implica que:
- Se defina muito cuidadosa e, diria, até cirurgicamente, que processos e ações são passíveis de execução através de uma “sequência de passos descritos no papel” que garantem uma eficácia substancial de cobertura e resposta ao que é a realidade do “dia-a-dia”,
– Idealmente os mais recorrentes e representativos que, em simultâneo, tenham garantido que, tendencialmente, acontecem sempre da mesma forma (ex.º: mesmo tipo de operação, mesmo tipo de documentos e conteúdo, mesmo tipo de “origem/destino”),
– E que não apresentem grande risco de contingência e/ou materialidade na perda de oportunidades não exploradas por insuficiente capacidade crítica e/ou conhecimento técnico de quem executa;
- Sempre que aplicável, mesmo nos processos e ações acima descritos, que se sinalizem no procedimento as situações que, se verificadas, devam implicar como ação de quem executa a consulta da área técnica que tenha no seu âmbito de responsabilidade “parar, pensar e encontrar a solução de aplicação técnica que melhor responda à situação concreta”.
- E, para o que possa ser tecnicamente mais complexo e/ou com variantes possíveis de materialização, a que correspondam diferentes soluções técnicas, ou que comporte níveis de materialidade a que, isoladamente, possam corresponder riscos e/ou oportunidades de otimização materialmente relevantes, garantir que, antes da execução ou, até, mesmo durante a execução, se a equipa técnica não é já um interveniente habitual, passe a ser, seja porque “chama a si a execução”, seja porque acompanha “a par e passo” a execução.
Já o partilhei anteriormente e a experiência tem reforçado este meu entendimento:
Mesmo o que possa ser visto como o dia-a-dia de operacionalização das obrigações aduaneiras, dificilmente poderá ser bem feito através da mera reprodução de procedimentos que contenham descritos tarefas e passos a seguir por quem não detenha um mínimo de conhecimentos aduaneiros que, pelo menos,
Permita manter bem ativa uma capacidade crítica de identificar “o que mudou”, “o que poderá ter impacto na forma de execução”, “o que poderá não estar respondido nos passos e tarefas descritas no procedimento” e, de quando em quando, fazer até o “teste do algodão” do autoquestionamento: será que ainda faz sentido fazer como “sempre se tem feito”?
Outro aspeto a respeito do qual poderá valer a pena refletir é o seguinte:
- Sendo verdade que quem detém o conhecimento técnico-aduaneiro e da realidade aduaneira do operador económico será quem mais habilitado estará a criar e desenhar os procedimentos internos,
- Será também verdade que, seja por questões de disponibilidade de tempo e recursos, seja porque a criação de “bons e eficazes procedimentos” implicará também outro tipo de conhecimentos e disponibilidade de algumas ferramentas específicas,
Poderá ser recomendável que a ação de criação e desenho de procedimentos internos seja assegurada com a colaboração, ou de áreas internas (se existentes) como sejam a área de auditoria e controlo interno, ou de consultores externos especializados.
Um ganho adicional que poderá advir da criação de procedimentos internos ser assegurada com recurso a uma equipa multidisciplinar e “sob a batuta” de uma área especializada na “criação e divulgação de procedimentos”, é que se oficializa “tempo e espaço” nas agendas, evitando o cenário, que sempre será meramente tático, em que a criação de procedimentos se assume como uma “tarefa adicional a assegurar nos tempos (não) livres” e, consequentemente, maximiza-se a potencialidade, abrangência, assertividade e eficácia dos procedimentos a criar.
No meu percurso profissional confrontei-me já, e por diversas vezes, com pedidos assegurados por clientes/fornecedores e, tipicamente por funções logísticas – nas quais é usual delegar-se também a função aduaneira, seguindo “processos e procedimentos internos” em que foi possível identificar que, “quem solicitou” não foi capaz de perceber que o que estava “prescrito” no procedimento não era aplicável à operação que, em concreto, estava na base do pedido.
Sendo que essa simples identificação – seja porque “quem pede” tem o tal conhecimento e capacidade critica”, seja porque o procedimento contém “todas as variáveis possíveis previstas e bem detalhadas quanto a ações necessárias e desnecessárias” – teria poupado tempo e recursos a ambas as partes.