Quem me conhece sabe que sou daquelas pessoas para quem, se há “normas para cumprir”, então sejamos éticos, conhecedores e cumpridores, até para que – e também – tenhamos legitimidade para, quando necessário, exigir o mesmo comportamento “dos outros” em relação a nós.

Procuro é sempre conhecer o “espírito”, propósito e objetivos da norma, como forma de facilitar a aplicação da mesma. Se eu entender o que se pretende garantir, não só se torna mais “fácil e intuitivo” saber porque o estou a fazer e como o fazer, como também para explicar a terceiros o “porquê” e converter um “tem de ser” num “faz sentido que seja assim”.

E assim acontece a respeito de um tema em relação ao qual poderá verificar-se, na prática, uma aparente simplicidade na sua execução formal que,

  • Se por um lado, tem a favor o argumento de que, no contexto de comércio internacional, ser sempre desejável a aplicação prática de uma não desproporcionalidade nos “custos de tempo e recursos” necessários alocar para ações de controlo, documentação e certificação, em contraponto com o que se pretenda “garantir”,
  • Por outro lado, e mesmo se inadvertidamente, poderá acabar por alimentar perceções erradas, superficiais ou pouco informadas quanto às responsabilidades que se assumem ou deveriam assumir.

E, em concreto, a que me refiro? Hoje ao “sentido, propósito, processos e procedimentos” conexos com a determinação, documentação e certificação de “origens não preferenciais”.

Não deixando de começar por partilhar um breve resumo de “definições” essenciais (Guidance On Non-Preferentual Rules of Origin (TAXUD)), ainda que não seja esse o foco da partilha de hoje (mas nunca será demais relembrar):

  1. Há dois tipos de origens
  • A Origem Preferencial: aplicável a bens que, sendo originários (no sentido de “produzidos”) de determinados países, cumprem determinadas regras de origem, tal como definidas nos respetivos acordos de tratamento preferencial e, por esse facto, são elegíveis para uma redução ou, até, eliminação dos direitos aduaneiros a pagar na importação (introdução em livre prática) no país de destino;
  • A Origem Não Preferencial: utilizada para a aplicação de todo o tipo de medidas de política comercial (não preferenciais) como sejam o tratamento da nação mais favorecida, medidas anti-dumping, direitos de compensação, embargos ou quotas, entre outros.

Em geral, obtida quando os bens são “totalmente obtidos” num país ou território (i.e., não incorporam componentes e/ou matérias-primas com origem noutros países) ou, quando envolvidos dois ou mais países na produção, a origem (não preferencial), é obtida no país no qual tenha ocorrido a última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, desde que economicamente justificadas e efetuadas numa empresa equipada para esse efeito.

  1. Todos os bens têm uma origem não preferencial, a qual que poderá ser diferente da respetiva origem preferencial 
  1. O conceito de “origem” é diferente do conceito de “estatuto aduaneiro”

De facto, por “estatuto aduaneiro” entende-se que poderemos estar perante “mercadorias UE” ou “mercadorias não-UE” consoante:

Sejam ou não originarias de países ou territórios terceiros (mercadorias não-EU) ou, mesmo sendo originárias da UE, tenham perdido o estatuto de “mercadoria-UE” (ex.º: porque anteriormente exportadas para um país ou território terceiro),

E tenham ou não sido já introduzidas em livre prática no território aduaneiro da UE (mercadorias UE),

Sendo que o estatuto aduaneiro não afeta a origem (de “produção”) dos bens.

  1. Âmbito de aplicação das regras de origem não preferencial

As regras de origem não preferencial estabelecidas na legislação aduaneira em vigor na UE são aplicáveis aos bens declarados para introdução em livre prática (na UE), para efeitos de aplicação das medidas previstas na Pauta Aduaneira Comum (da UE).

Considerando que cada país terceiro poderá aplicar regras de origem não preferencial que não sejam comuns com as vigentes na UE, assim como que não existe, ainda, uma efetiva harmonização das regras de origem não preferencial entre os países membros da Organização Mundial do Comércio,

As regras de origem não preferencial vigentes na UE não são, regra geral, de aplicação obrigatória na exportação para fora da EU.

Uma vez relembradas algumas das definições e aspetos essenciais relativas ao tema de origem não preferencial, volto então ao aspeto central da minha reflexão de hoje:

  • Sempre que um operador económico – que irá exportar – recebe informação quanto a requisito de disponibilização de um certificado de origem,

Solicitação que poderá vir diretamente do cliente estabelecido num país terceiro, ainda na fase de negociação ou já na fase de “definição de caderno de encargos”,

Ou – também poderá acontecer, ainda que não sendo o desejável – já do operador logístico que irá transportar os bens com destino ao país terceiro,

  • Terá devidamente acautelados os processos e procedimentos, desde logo e necessariamente internos – para a respetiva disponibilização ao cliente, mesmo tratando-se de um certificado de origem não preferencial,
  • Dispondo de um conhecimento (direto ou partilhado por terceiros, como sejam o operador logístico ou o despachante) que vá além do de que,
  • Na prática, tratar-se-á de um certificado a solicitar e emitir por uma Câmara de Comércio (já agora, em virtude de uma delegação de poderes, legalmente consagrada, em entidades habilitadas no país de emissão),
  • Podendo bastar a disponibilização da fatura de exportação contendo a identificação dos bens a exportar e do código do respetivo “país de origem” e, eventualmente, também do documento de transporte e declaração do exportador a “emitir, assinar e carimbar em papel timbrado”,
  • Pressupondo o pagamento de um determinado valor pela respetiva emissão, o qual poderá variar em função do valor dos bens a exportar,
  • Sendo relativamente célere a respetiva emissão (24horas poderão ser suficientes)?

É que se pensarmos nas definições anteriormente partilhadas, são algumas as questões que se me suscitam, de entre as quais:

  • Estará claro e será seguro considerar que, se os bens forem exportados a partir da UE (vamos assumir que a partir de Portugal), caso nada seja indicado (desde logo pelo cliente) em sentido contrário, a origem (não preferencial) que será certificada será a que, de acordo com as normas vigentes na legislação aduaneira da EU, é aplicável aos bens a exportar?
  • Serão essas mesmas regras de origem (as em vigor na UE) as também aplicáveis no país de importação?
  • Em caso de resposta afirmativa às duas questões anteriores, será adicionalmente claro para a empresa exportadora que,
  • Para além da identificação das siglas dos respetivos países de origem na fatura de exportação,
  • Tendo como fonte de dados a informação de “país de origem” cadastrada nos seus sistemas relativamente aos bens a exportar,
  • Terá a obrigação de se munir da evidencia documental adequada (como seja a declaração do fornecedor/produtor da origem não preferencial ou, até, um certificado de origem não preferencial emitido pelas entidades competentes no país do fornecedor/produtor) para,

Desde logo, poder cadastrar com segurança a informação de “país de origem” nos seus sistemas e “declará-la” como a “correta” nas faturas de exportação e,

Não menos relevante, poder então “emitir, assinar e carimbar em papel timbrado” a declaração do exportador que poderá ser solicitada pela  entidade que assegurará a certificação de origem não preferencial,

Cujo conteúdo da respetiva minuta que, até possivelmente, poderá ser disponibilizada, se lido com atenção, poderá consistir numa “declaração de compromisso de honra” por via da qual a empresa exportadora – e emitente da declaração – declara:

  • Que conhece as normas aplicáveis à emissão de certificados de origem e às regras de origem dos bens;
  • Que, com referência às origens declaradas (na fatura de exportação) a empresa exportadora dispõe da documentação e evidência necessárias que permita justificar e suportar a origem (de produção) declarada,
  • Que se compromete à respetiva disponibilização, se/quando solicitada, nos prazos a estabelecer pela entidade que a requeira,
  • Assim como que são verdadeiros e demonstráveis os dados indicados nos documentos disponibilizados para a emissão do certificado de origem,
  • Podendo ainda a minuta da declaração conter – de forma expressa ou implícita – que, por via da mesma, se exime de responsabilidades a entidade emissora do certificado de origem pelo que possam ser dados errados (“falsas declarações prestadas”) e/ou não devidamente documentados?

Poderá ainda acontecer que, até para “facilitar”, a entidade certificadora aceite a emissão de uma declaração global de exportador (i.e., válida para todas as exportações e inerentes certificados de origem que sejam solicitados) que, assim, valerá para um período temporal alargado ou, até, indeterminado e para “todo e qualquer bem” que, constando das faturas de exportação a apresentar, virão a ser objeto de pedido de certificação de origem.

Devo admitir que não tenho esta experiência em Portugal, mas que já a identifiquei como possível “prática de mercado” noutros Estados-Membros da UE.

É que, e em jeito de “conclusão e de questão retórica”,

  • Sendo verdade que é ao operador económico exportador – “ator principal no palco das operações de comércio internacional” – que incumbe a responsabilidade primária de: sim, conhecer a legislação, regras, processos e procedimentos aplicáveis e subjacentes a ações de declaração (mesmo se por “mera e única” indicação na fatura de exportação) e de certificação de origem; garantir que dispõe da evidência “necessária e suficiente” que permita documentar e suportar a origem declarada já que, e afinal, é quem define e conhece as condições de compra junto dos seus fornecedores,
  • Não deixará também de ser verdade que nem sempre todos os operadores económicos envolvidos em operações de comércio internacional/exportação detêm um domínio técnico suficiente quanto aos temas aduaneiros para, por exemplo,

Identificar que, o que possam ser procedimentos “simples e ágeis” para certificação, não deixam de ter, na sua génese, alguns pressupostos de “cumprimento legal e assunção de obrigações e responsabilidades” pelos quais poderá assumirá integral responsabilidade,

Mesmo estando a solicitar – conforme legalmente consagrado – a intervenção de uma entidade terceira habilitada para “validar e, consequentemente, certificar estarem cumpridas e documentadas as regras subjacentes à(s) origem(ens) não preferencial(ais) declarada(s)”.

E lá poderá vir um dia a surpresa de,

Questionado o cliente no destino pelas autoridades aduaneiras do país de importação quanto às origens declaradas, por exemplo, em confronto com o que resulta de uma verificação física dos bens importados e, de forma mais crítica, estando em causa potenciais medidas de embargo, quotas, anti-dumping ou similares,

O cliente questionar e imputar responsabilidades ao seu fornecedor – o exportador que lhe disponibilizou a documentação incluindo a relativa à “declaração e certificação de origem”,

E o exportador, questionando a entidade certificadora quanto ao que “poderá não ter corrido bem”, se ver confrontado com a “pergunta de volta” no sentido de as origens terem sido declaradas com base no que o exportador declarou – sob compromisso de honra – ser o correto e aplicável.

Claro que o cenário de “surpresa e questionamento” poderá ser mais teórico do que real e prático.

Mas, aqui chegada, volto ao ponto de partida da minha reflexão:

Se há normas que definem o “como deve ser”, sempre será de assumir que têm algum “propósito e sentido” e que são as necessárias na exata medida e proporcionalidade para salvaguardar o que se pretenda garantir com o espírito das normas.

E que, se assim for, das duas uma:

Ou é para “fazer bem e com sentido” já que implica tempo e custos para todos os envolvidos, designadamente para os operadores económicos.

E, naturalmente, a contrario, se afinal se conclui não ser “necessário” ou, até, revelar-se “desproporcional” no “esforço e custos” (incluindo o conhecimento técnico e ferramentas e recursos que a generalidade dos operadores económicos terão que garantir), então simplifiquem-se e adaptem-se as normas para que não se fique numa espécie de “a meio caminho” entre o que deveria ser na teoria e em substância, e o que, na prática, se acaba por revelar possível.

 

 

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