Para hoje um tema na ordem do dia: CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism).
Mas com um foco em particular: aquele das questões que podem surgir na esfera dos operadores económicos e cujas respostas poderão não se encontrar – pelo menos de forma “literal” – nem nos textos da respetiva Regulamentação EU, nem nos manuais que vão sendo disponibilizados pelas instituições UE e nacionais.
A primeira das quais poderá ser a de qual será a área que terá uma “apetência natural e lógica” para assumir a liderança e responsabilidade sobre o tema CBAM? Ambiente, Qualidade, Fiscal, Aduaneira,…?
E desengane-se, desde já, quem possa assumir como óbvia a área Aduaneira, quando existente no contexto do operador económico, ficando-se pelo argumento de que estamos perante um mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço aplicável a um conjunto tipificado de mercadorias na sua importação para o território aduaneiro da União.
Verdade que o CBAM se aplica a mercadorias importadas, mas haverá que considerar também e, diria que desde logo, o facto de estarmos perante um mecanismo de ajustamento (CBAM) que (cfr. dispõe o Art.º 1.º do Regulamento (EU) 2023/956 de 10 de maio de 2023):
- Visa dar resposta às emissões de gases com efeito de estufa incorporadas nas mercadorias tipificadas que sejam objeto de importação, tendo em vista evitar o risco de fuga de carbono, reduzindo as emissões globais de carbono;
- Complementa o sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa da União criado ao abrigo da Diretiva 2003/87/CE, aplicando um conjunto equivalente de regras às importações no território aduaneiro da União.
Ou seja, estamos perante um mecanismo que, apesar de aplicável a importações, tem um cariz inquestionavelmente ambiental e vem complementar um sistema já anteriormente existente, agora em concreto, abrangendo importações de bens abrangidos pelo âmbito de incidência.
Chegados aqui, creio ser já legítima e bem racional a dúvida sobre se áreas como as de Ambiente e/ou Qualidade não poderão ser as mais habilitadas, potencialmente, para assumirem a liderança do tema CBAM.
Mas outras questões poderão surgir…
Focando agora, especificamente, nas obrigações aplicáveis no período transitório (outubro de 2023 a dezembro 2025):
- Comunicação de informações com obrigação de reporte trimestral,
- Até ao final do mês seguinte a cada trimestre, o primeiro dos quais correspondente ao quarto trimestre de 2023,
Importará perceber bem, e em concreto:
- Sobre quem impende a obrigação de reporte?
Ao “declarante notificante” que poderá ser:
- O Importador em nome próprio e por conta propria ou,
- O Representante aduaneiro indireto por conta de um importador (salvo se este, não concordando em cumprir as obrigações de comunicação de informações que incumbem ao importador, notifique o importador da obrigação de cumprir)
E quanto à questão “sobre quem impende”, diria que será de considerar que, regra geral, ao operador económico que tenha assegurado importações abrangidas pelo âmbito de incidência CBAM.
- Que informações está o operador económico importador obrigado a reportar?
- Quantidade total de cada tipo de mercadoria (a identificar através do respetivo código NC – Nomenclatura Combinada), expressa em megawatt-hora para a eletricidade e em toneladas para as outras mercadorias, especificada por instalação que produz as mercadorias no país de origem
- Total de emissões reais incorporadas, expressas em toneladas de emissões de CO2 e por megawatt-hora de eletricidade ou, para outras mercadorias, em toneladas de emissões de CO2 e por tonelada de cada tipo de mercadoria, calculadas de acordo com os métodos previstos no Regulamento 2023/956 de 10 de maio
- Total de emissões indiretas
- Preço do carbono devido num país de origem pelas emissões incorporadas nas mercadorias importadas, tendo em conta quaisquer descontos ou outra forma de compensação disponíveis
Da informação a reportar resultará, também, consensual que a área Aduaneira – e/ou o representante aduaneiro que tenha submetido as declarações aduaneiras de importação elegíveis por conta do importador – apenas terá condições de facultar a seguinte informação:
- Declarações aduaneiras submetidas em cada período de reporte,
Relativas a mercadorias elegíveis para a obrigação de reporte CBAM,
Identificáveis através do respetivo código de Nomenclatura Combinada,
Tendo como filtro as mercadorias previstas no Anexo I do Regulamento 2023/956: as elegíveis para CBAM, em concreto especificadas através do respetivo código NC, divididas em seis grupos: cimento, eletricidade, adubos fertilizantes, ferro e aço, alumínio, produtos químicos;
- Considerando que a informação de peso é de incluir nas declarações aduaneiras de importação ao nível de cada adição/posição pautal, poderá ser a mesma também disponibilizada (tendo por base o peso declarado na respetiva declaração aduaneira);
- Considerando, ainda, que o regime aduaneiro declarado (v. g., introdução em livre prática e no consumo, aperfeiçoamento ativo) será também relevante, consistindo em informação de um dos campos das declarações aduaneiras de importação, poderá também ser facultada pela área Aduaneira/pelo representante aduaneiro.
Mas quanto à restante informação, resultará consensual que não se encontra no âmbito da informação disponível e necessária para uma área como a Aduaneira, no contexto das funções que lhe estarão adstritas.
Importante destacar e considerar que,
- Se já crítico garantir, no passado e para efeitos aduaneiros, uma correta classificação pautal das mercadorias importadas,
O facto da elegibilidade para efeitos CBAM ser determinada ao nível do código aduaneiro (UE) de Nomenclatura Combinada vem reforçar ainda mais essa criticidade.
- O código pautal relevante é o que vigora na UE (código NC) pelo que opções que tenham por base a respetiva disponibilização pelos fornecedores estabelecidos em países terceiros se releva “arriscada”, considerando que:
- A obrigação de declaração as mercadorias, quando importadas no território aduaneiro da UE, através do correto código pautal aplicável (de acordo com a Pauta Aduaneira da UE) recai sobre o importador (e não sobre os seus fornecedores estabelecidos em países terceiros);
- Mesmo que ao nível do código de Sistema Harmonizado – HS Code – possam coincidir (o código pautal da mercadoria no país do fornecedor/exportador e o código pautal na UE/país do importador), essa coincidência verificar-se-á apenas ao nível dos seis primeiros dígitos (= HS Code) quando o código NC é definido a oito dígitos, sendo os dígitos adicionais aos seis de definir de acordo com as regras aplicáveis na UE;
- Resulta também reforçada a necessidade de que a informação de peso das mercadorias a importar se encontre disponível na documentação a utilizar para a tramitação aduaneira de importação (no mínimo, ao nível de cada adição/código pautal aplicável) e seja correta, além de coincidente com a informação de peso cadastrada no sistema de “dados mestre de materiais” do operador económico, antecipando que seja, também, nesse sistema que possa fazer sentido vir a cadastrar a demais informação relevante e necessária para reporte CBAM, e a fonte potencial dos dados totais a reportar.
- Onde será de assegurar o reporte CBAM?
No Registo Transitório CBAM que pressupõe:
- Um pedido de acesso a ser solicitado à Autoridade Competente do Estado-Membro onde o declarante está estabelecido (até 31 de dezembro de 2023) – em Portugal, a Agência Portuguesa do Ambiente,
- O que pressupõe um registo prévio do número EORI (número único de identificação dos operadores económicos para efeitos aduaneiros) no Sistema de Gestão Uniforme dos Utilizadores e Assinatura Digital (UUM & DS) – sistema eletrónico para efeitos de autenticação e acesso dos operadores económicos a sistemas eletrónicos trans-Europeus (como é o caso do sistema do Registo e Reporte CBAM, entre outros),
Caso o importador não o tenha já assegurado, designadamente para aceder a outros sistemas eletrónicos EU como seja o Sistema de Decisões Aduaneiras (CDS).
A respeito do registo do importador (através do seu número EORI) no Sistema de Gestão Uniforme dos Utilizadores e Assinatura Digital (UUM & DS), a área Aduaneira (e ou áreas com a Fiscal, Financeira ou Contabilidade, dependendo da estrutura e alocação de funções no contexto concreto de cada operador económico) poderá colaborar:
- Informando se porventura já assegurado no contexto em que o operador económico já disponha de acesso, por exemplo ao Sistema de Decisões Aduaneiras e, assim, validando que “passo já assegurado” ou,
- Colaborar nas ações necessárias para esse registo caso o mesmo não se encontre ainda assegurado, considerando que, em Portugal, existe inclusive um Oficio Circulado da Direção de Serviços de Regulação Aduaneira (Ofício Circulado n.º 15942 de 2023/03/29) que versa sobre o tema.
Chegados aqui, e voltando à primeira questão – qual a área que deverá ter uma “apetência natural e lógica” para assumir a liderança e responsabilidade sobre o tema CBAM? Ambiente, Qualidade, Fiscal, Aduaneira,…,
Antecipo que, de entre as muitas e naturais dúvidas que o tema CBAM já suscita e continuará a gerar, se possa somar mais uma, como consequência de poder não ser já tão óbvia “a área Aduaneira” como resposta àquela questão….
Uma das poucas certezas, para já: a de que, sem dúvida, pressuporá um trabalho multi-disciplinar, envolvendo várias áreas no contexto do operador económico e, potencial, se não mesmo desejavelmente, também entidades externas que resulte necessário envolver na implementação.