Esta semana tive um sempre muito agradável almoço entre amigos, daqueles que parece que conhecemos “desde sempre” e com quem há sempre tanto que conversar e partilhar, quer a nível pessoal, quer a profissional.
E eis senão quando, já em “modo fim de semana prolongado” (sim, que estava MESMO a precisar – estamos todos, não, nesta altura do ano?), dou por mim a pensar num dos temas de que tínhamos falado e a “viajar no tempo” regressando a dois momentos em concreto:
- A primeira formação internacional que fiz na área aduaneira (European Customs Legislation), em novembro de 2003, proporcionada e facilitada pela KPMG em Bruxelas;
- A pós-graduação em Direito Aduaneiro Europeu na EFS (Erasmus Fiscal Studies) da Erasmus University de Roterdão, entre setembro e novembro de 2018
E porquê? Em que pensava eu? Numa questão que me recordo de ter partilhado com os colegas de formação em ambos os eventos (cuja curiosidade implícita se manteve, mesmo se vários anos depois): Quanto do seu tempo profissional dedicavam a trabalhos de consultoria e, também, de compliance a versarem (exclusivamente) a vertente aduaneira.
Contextualizando melhor:
- Na formação de 2003 os colegas de formação eram colegas da KPMG a trabalhar na área fiscal,
- Na formação de 2018, uma maioria de colegas (mesmo se não só) trabalhavam em contexto de big fours (KPMG, EY, PwC, Deloitte),
- E eu, com o meu background e experiência de consultora fiscal na KPMG, sabendo que a vertente aduaneira constituía apenas uma parte do meu portfolio de projetos (pelo menos até 2012, ano em que decidi aceitar o desafio de conhecer a realidade “do outro lado” – o dos operadores económicos).
E nos dois momentos – mesmo se, no contexto do segundo, a questão fosse já menos “ingénua” quanto ao que seria a resposta provável – confrontei-me com a surpresa dos colegas olhando para mim e, até, a ficarem um pouco confusos com a questão. E porquê? Porque a resposta foi, em ambos os casos: não sei se percebi bem a questão, mas eu só trabalho a vertente aduaneira (100% do meu tempo alocado ao “aduaneiro”).
Relembrando que os países em causa eram a Bélgica (que, a título ilustrativo, “acolhe” a sede da Organização Mundial das Alfândegas) e Holanda (Roterdão que dispensará enquadramento adicional).
E, acrescentando que, depois de alguma conversa de aprofundamento com os colegas, percebi que a vertente de consultoria, incluindo:
- Trabalhos de diagnóstico,
- Elaboração ou revisão de procedimentos e recomendações de melhoria, não só para garantir eficiência de custos aduaneiros mas também compliance,
- Para além de temas concretos de origem (preferencial e não preferencial), valor aduaneiro e classificação pautal que se trabalhavam em antecipação e numa vertente estratégica,
Assumia um peso relevante.
Bem sei que em Portugal temos entidades com vastos e largos anos de experiência e conhecimentos acumulados na área aduaneira – os despachantes oficiais.
Que são as mais naturalmente envolvidas nos temas aduaneiros e cujo trabalho diário é de essencial e primordial relevância para garantir um célere e apropriado desembaraço aduaneiro dos bens em circulação de e para fora do território aduaneiro e fiscal da União Europeia.
Mas temos também, ainda, um contexto em que os temas de âmbito aduaneiro não se reconhecem, arriscaria dizer num número não despiciendo de operadores económicos, como de relevância estratégica e “dignos” de serem incorporados nas agendas de “reuniões de administração”, até a pedido dos próprios “CEO/CFOs” (salvo se já perante alguma questão concreta, por exemplo, resultante de uma fiscalização aduaneira que resulte em responsabilidades materialmente relevantes).
O que acaba por se traduzir:
- Numa não adequada alocação de recursos humanos e materiais para uma atempada estruturação, planeamento, estudo das implicações e oportunidades de âmbito aduaneiro nas operações e decisões de comércio internacional;
- Numa “falsa” sensação de estar tudo acautelado e garantido com a intervenção “quotidiana” do despachante oficial ou de um declarante/operador logístico a quem se entrega não só o transporte mas também a “burocracia” aduaneira;
- Numa reatividade dos operadores económicos quanto aos temas de âmbito aduaneiro, dependente de “problemas que encontrem” e/ou informação que lhes chegue, em contraponto com uma atitude proativa, de liderança e antecipação, designadamente:
– Na revisão dos seus processos e procedimentos internos com implicações e/ou de âmbito aduaneiro para garantir “atualidade, compliance e eficiência”;
– Na antecipação de impactos de alterações legislativas que, mesmo sendo futuras e parecendo “longínquas no horizonte”, sempre será recomendável que se avaliem nas suas implicações e aplicabilidade à realidade e contexto de cada operador económico, para prevenir e acautelar alterações com impactos relevantes e, também, garantir a implementação e potenciação do que possam ser oportunidades subjacentes;
– Na garantia de envolvimento de todos os profissionais e competências necessárias para, num trabalho que se requer, numa grande maioria de casos, multidisciplinar e por etapas (análise estratégica, identificação e exploração de impactos/oportunidades/necessidades, desenho de cenários possíveis com identificação de “prós e contras”, quantificação de impactos e ou de números relevantes para a construção de “business cases” + consequente implementação até se chegar à “fase final” de concretas operações de tramitação aduaneira de “importação/exportação”), se garantir um adequado posicionamento do operador económico, também no que se refere a temas de âmbito aduaneiro.
Continuo a acreditar que há margem de progressão na exploração das inúmeras potencialidades que, uma adequada gestão de temas de âmbito aduaneiro, fiscalidade indireta e conexos com atividades que tenham implícito comércio internacional, poderá permitir concretizar. Tanto mais num país como Portugal, com uma grande abertura ao “mercado externo” e interesse estratégico na internacionalização.
Assim como espaço para que todos os intervenientes possíveis e recomendáveis – em função das competências e perfis próprios que, inevitavelmente, deverão caracterizar âmbitos de intervenção de governance e consultoria, em contraponto com os de operacionalização do “dia-a-dia” – possam aportar o valor próprio e intrínseco de cada um, trabalhando em parceria sempre que necessário.
Porque o que (creio que) ambicionamos todos (operadores económicos, despachantes oficiais, declarantes, consultores e advogados especializados em direito aduaneiro, autoridades aduaneiras, instituições de ensino, entre outras) será elevar a área aduaneira a um posicionamento estratégico com “assento permanente” nas agendas de quem planeia o negócio para que, também a esse nível, se explorem todas as vertentes que possam contribuir para a sua competitividade e sustentabilidade futura.