Já não fazia uma partilha destas há algum tempo mas, ultimamente, tenho-me sentido novamente desafiada a pensar num velho “tema e dilema”:
O de se haverá “um” perfil e percurso formativo e de experiência que seja o “mais adequado” para quem, no contexto das empresas/operadores económicos (mas não só), tenha no seu âmbito de atuação, temas de comércio internacional.
E começo sempre por pensar quantas empresas têm, desde logo, dimensão suficiente para conseguirem dispor de recursos especializados que abordem as várias áreas relevantes em comércio internacional, designadamente as seguintes: aduaneira, fiscalidade indireta (IVA, impostos especiais de consumo), questões contratuais como sejam a que regulam os “termos, condições e responsabilidades a assumir pelo vendedor e pelo comprador – incoterms®, meios de pagamento, entre outras.
Acresce que, dependendo da atividade em concreto, dos países e entidades envolvidas, assim como dos bens comercializados, podem assumir adicional relevância temas como os relativos a sanções/embargos, bens de dupla utilização e eventuais licenças necessárias.
Chegada aqui, e perante tudo o que potencialmente deve ser ponderado, equacionado e garantido para não só se garantir compliance, como também, e em consequência, sustentabilidade e rentabilidade do negócio, tenho sempre sérias dificuldades em conseguir não concluir que:
Mesmo o perfil de quem se pretenda que, no terreno, garanta a execução das operações de comércio internacional, no contexto da normas, linhas e políticas orientadoras definidas na organização (e refiro-me já às específicamente definidas para cada área em concreto, como a aduaneira), dificilmente poderá “bastar-se” com alguém que se limite a seguir procedimentos definidos acima e a montante, tendo como principal driver a rapidez,
Sob pena de, precisamente quem está no palco das operações e, assim, quem está a acompanhar em tempo real as decisões e operações relevantes, não ter tempo e/ou capacidade crítica para perceber que:
- Ou mudaram variáveis relevantes que tornaram obsoletos os processos e procedimentos definidos,
- Ou que há novas realidades para as quais novos e concretos procedimentos têm que ser definidos, não podendo ser enquadrados numa “extrapolação ou readaptação” dos existentes.
Sendo verdade que, sim, quem está no terreno – e tanto mais se estivermos perante funções subdimensionadas ou, até dimensionadas mas já bem no limite do que seria a capacidade necessária para dar resposta adequada ao que assumem no seu âmbito de responsabilidade – deverá ter um perfil eminentemente mais operacional, de execução, com capacidade de gerir tarefas múltiplas e de se ajustar rapidamente em função das necessidades constantes de (re)adaptação do planeamento do trabalho diário,
Não bastará que seja “rápido no gatilho” e tenha boas habilidades e conhecimentos em ferramentas de suporte à execução, sob pena de tudo estar a acontecer “rapidamente e sem aparentes problemas”, mas não necessariamente da forma mais eficiente e/ou que garantia compliance,
Se não estiver presente a “mente de principiante”, o espírito crítico e a curiosidade e necessidade constante de “voltar ao que dizem normas e boas práticas” e confrontar com o que “está a acontecer”, assim como uma variável chave fundamental: tempo para “parar, pensar, questionar-se, questionar e, quando necessário, reportar.
Se pensarmos agora no perfil, experiência e formação desejáveis para quem, no contexto do operador económico – seja inhouse, seja como consultor externo – tenha como responsabilidade aportar o valor de,
- Conhecer as normas e boas práticas,
- Manter-se atualizado e definir, de forma concreta e ajustada a cada realidade, as ditas normas, políticas, processos e procedimentos,
- Dar suporte a quem está no terreno perante dúvidas de implementação, necessidades de atualização e, até, de alteração substancial porque, não raras vezes, a realidade é tão específica que podem até não haver (ainda) respostas claras e haja necessidade de recurso a consultas várias (que podem incluir pedidos de informação às autoridades competentes), para que se garanta a tão necessária “segurança e certeza”,
- Dar suporte à gestão atuando como consultor na identificação dos cenários a equacionar, dos riscos e oportunidades que deverão ser conhecidos e ponderados nas tomadas de decisões estratégicas,
Julgo que não subsistirão dúvidas quanto à particularidade e requisitos implícitos e necessários ao perfil a equacionar para a função.
Garantir os perfis ajustados, adequados e convenientemente dimensionados a cada função e área(s) de responsabilidade(s) pode não ser fácil.
Mas sem que exista, no mínimo, a consciência do que é, de facto, necessário garantir,
- Seja internamente, com recursos próprios do operador económico quando se justifique,
- Seja através de recursos externos especializados,
Os riscos e ineficiências certamente marcarão presença,
Desde logo por via da repetição de processos e procedimentos que “alguém que já não está para explicar o porquê” definiu no passado e que se repetem, muitas vezes, sem se saber muito mais do que “faz-se assim porque sempre nos disseram que tinha que ser assim”,
Ou pela falta de tempo dos recursos internos que, de tão “submersos” que possam estar a manter “a rolar” as operações no dia-a-dia, possam confrontar-se com falta de tempo para parar, pensar e sinalizar o que possa ser de reavaliar.
Já para não falar na vertente das oportunidades que deixam de se identificar se não houver tempo, disponibilidade e recursos que, pelo menos de quando em quando, possam revisitar a atividade e operações do operador económico, os processos e procedimentos instituídos e, com a mente de principiante e “não viciada”, possam fazer o “teste do algodão” quanto a ainda fazer sentido manter o “As Is“.
O segredo e grande desafio, diria, será mesmo o de se conseguirem encontrar as “pessoas certas para cada organização, função e tarefas a desempenhar” porque, estando reunido este requisito, tudo o que se segue tenderá acontecerá com uma admirável naturalidade.
Gostei desta partilha. Evidencia alguns aspetos da realidade. De facto, há pessoas com formação para ajudarem a agregar valor na organização, mas não há tempo/ consciência para acompanhar e puxar estas pessoas. É o que eu por exemplo, sinto na pele, fiz um esforço de formação, e desejo mudar e trabalhar mais na area aduaneira, mas ainda n ocorreu muito essa mudança. Apenas algumas tarefas, iguais a toda a equipa muito administrativas.
Cara Lucinda,
Obrigada pelas suas palavras e partilha. Sim, compreendo perfeitamente o que descreve sentir. Mas nada de desistir. São cada vez mais necessárias com essa sua consciência e vontade. Passo a passo, acreditando que tudo começa com pequenas e subtis mudanças.