Para hoje um tema que me é “querido” ao ponto de ter sido o escolhido para a minha tese de final do curso Post-Master in EU Customs Legislation (Eramus University – Rotterdam): as consequências da inevitável interligação entre IVA, Incoterms® e Aduaneiro.

E, na sequência das partilhas anteriores, a evidência da relevância de antecipação para o momento pré negocial ou, no limite, de apresentação de proposta comercial, da avaliação das implicações e consequente exequibilidade, dos cenários em avaliação.

Em concreto,

  • Empresa A, estabelecida num Estado-Membro da UE (Portugal) avalia uma oportunidade de negócio com um cliente estabelecido num país terceiro (não UE) – Empresa C,
  • Que implicaria a compra de um equipamento a fornecedor, estabelecido num outro Estado-Membro da UE (República Checa) para consequente fornecimento ao cliente,
  • Pretendendo-se explorar a opção de colocar no cliente o ónus, responsabilidade e risco do levantamento do equipamento e transporte até ao país terceiro nas instalações do fornecedor – Incoterm® FCA (Morada XXX – instalações da Empresa B, República Checa),
  • Com a consequente negociação de incoterm similar com o fornecedor – Incoterm® FCA (Morada XXX – instalações da Empresa B, República Checa).

Ou seja,

  • O fornecedor (Empresa B) cumpriria a obrigação de entrega e o risco seria transferido para o seu cliente (Empresa A), com a entrega do equipamento carregado no meio de transporte providenciado pelo comprador nas suas instalações (as do fornecedor)
  • A Empresa A, por sua vez, estaria a cumprir a obrigação de entrega – e transferência do risco dos bens – em instalações que não as suas, mas aquelas onde tenha ocorrido previamente a transferência do “poder de dispor” (e risco) em função do Incoterm® acordado na compra precedente – nas instalações do seu fornecedor.

Quando a Empresa B indica que, no contexto da operação a realizar, terá que liquidar IVA na fatura a emitir à Empresa A, começa o debate quanto ao enquadramento em sede do IVA da transmissão de bens:

  • A realizar entre duas empresas estabelecidas em dois Estados-Membros da UE,
  • Sendo os bens de expedir diretamente da República Checa (EM de estabelecimento do fornecedor – Empresa B) com destino ao país terceiro onde se encontra estabelecido um terceiro (o cliente do seu cliente),
  • E com o transporte a ser da responsabilidade desse terceiro e não do cliente da Empresa B (o “adquirente” na transação a enquadrar).

Confusos? Normal…Mas vamos por partes.

Poderemos ser tentados a, numa leitura rápida, concluir que a venda entre a Empresa B (fornecedor estabelecido na República Checa) e a Empresa A (estabelecida em Portugal) beneficiará da isenção do IVA prevista para a exportação, por ter implícito o transporte dos bens do primeiro Estado-Membro com destino a um país terceiro (“transporte de exportação”).

Mas valerá a pena (re)ver o que dispõe a Diretiva do IVA (Diretiva 2006/112/EC de 28 Novembro 2006) como condições para aplicação da referida isenção:

Artigo 146.º, n.º 1 – Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:

  1. a) As entregas de bens expedidos ou transportados, pelo vendedor ou por sua conta, para fora da Comunidade;
  2. b) As entregas de bens expedidos ou transportados pelo adquirente não estabelecido no respectivo território, ou por sua conta, para fora da Comunidade.

Relembrando que:

  • O enquadramento em sede do IVA em causa é o da primeira transmissão de bens – a transmissão a realizar entre a Empresa B (estabelecida na República Checa) e a Empresa A (estabelecida em Portugal),
  • Que o “adquirente” nessa transação é a Empresa A e não o seu cliente (entidade de destino final dos bens, estabelecida no país terceiro)
  • Que não é a Empresa A (o adquirente, nesta transação) quem será a responsável pelo transporte dos bens para fora da UE, nos termos do incoterm acordado com o seu cliente (Empresa C), nem a Empresa B – o “vendedor” na transação em causa.

No contexto acima, a conclusão para o caso em análise será a de que, tendo por base uma interpretação literal do disposto no Artigo 146 da Diretiva do IVA, não estarão verificadas as condições para a aplicação da isenção do IVA na exportação e que, como tal, haverá lugar à liquidação de IVA na fatura a emitir pela Empresa B à Empresa A.

Consequências:

  • A transmissão de bens entre a Empresa B e a Empresa A será uma transmissão interna a realizar na República Checa, sujeita a IVA e não isenta,
  • A Empresa A (estabelecida em Portugal) será o exportador para efeitos aduaneiros no Estado-Membro de início do transporte de exportação (i.e., quem realiza a transmissão de exportação, isenta do IVA),

O que poderá assegurar (pelo menos em teoria e na medida em que disponha de meios para tal, designadamente de um despachante habilitado a atuar em sua representação nesse Estado-Membro), na medida e que disponha de um número EORI (número de identificação único aduaneiro, atribuído pela Autoridade Aduaneira do Estado-Membro onde o operador económico se encontre estabelecido),

  • A recuperação do IVA a liquidar – e repercutir à Empresa A – pela Empresa B será de assegurar nos termos e condições de elegibilidade definidas na Directiva 2008/9/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 (modalidades de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado previsto na Diretiva 2006/112/CE a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado-Membro de reembolso, mas estabelecidos noutro Estado-Membro),

No pressuposto de que, no contexto da ou das operações a realizar, não se verifique obrigação de registo para efeitos do IVA da Empresa A no Estado-Membro de início do transporte de exportação – algo que teria que ser também avaliado para cada caso concreto.

Recomendação para que a primeira transmissão possa beneficiar da isenção do IVA na exportação (evitando-se a liquidação do IVA e consequente impacto de cash flow entre o momento do pagamento e o da consequente recuperação por via de pedido de reembolso):

A alteração do incoterm da transação consequente entre a Empresa A e o seu cliente, Empresa C de forma que a responsabilidade pelo transporte passe a ser da Empresa A.

Há Estados-Membros que poderão fazer uma leitura menos “literal” do Artigo 146.º da Diretiva do IVA e aceitar que,

  • Mantendo-se o Incoterm® FCA nas duas transações e, assim, em concreto,
  • A responsabilidade pelo transporte ser de um terceiro que não o “vendedor” e o “adquirente” da primeira transmissão – da entidade para quem os bens são expedidos na sequência da exportação,
  • Na condição de que o exportador para efeitos aduaneiros seja o “adquirente” – Empresa A, com base na fatura relativa à primeira transação (a que se pretende enquadrar para efeitos do IVA) – isto é, não com base na fatura de venda da Empresa A à Empresa C (estabelecida no país de destino da exportação), mas com base na fatura da Empresa B (a estabelecida no Estado-Membro de início do transporte de exportação dos bens) à Empresa A,

A transmissão de bens entre a Empresa B e a Empresa A seja elegível para enquadramento na isenção do IVA na exportação, prevista no Artigo 146.º da Diretiva do IVA (“exportação indireta”).

Contudo, o exemplo partilhado certamente evidenciará que o mais seguro será prevenir e avaliar, em concreto, para cada operação e Estados-Membros envolvidos, qual o enquadramento em sede do IVA e aduaneiro, para evitar surpresas e custos acrescidos não contemplados no planeamento, racional e pressupostos de rentabilidade das propostas e acordos comerciais.

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