Aqui há uns dias alguém me perguntava se tinha “5 minutos” para partilhar comigo uma questão.
Escusado será dizer que, sim, claro que os “5 minutos” se disponibilizaram e que gosto sempre de ver quando alguém que não domina temas aduaneiros e tributários, mas está a participar em decisões das quais podem decorrer implicações nesses domínios, detém a sensibilidade necessária para saber que fará sentido “parar, pensar e questionar”.
Tanto mais considerando que tantas são já as demais variáveis a ter em conta e, não raras vezes, num curto espaço de tempo.
Estava em causa uma operação que, no contexto de um mercado global, se pode revelar até bem comum:
- Empresa A (estabelecida em Portugal), perante um pedido de fornecimento de um dado bem a um cliente (Empresa B, estabelecida num outro Estado-Membro da União Europeia – Itália)
- Após uma prospeção das alternativas de sourcing, conclui que a melhor opção para poder garantir aquele fornecimento seria a de,
- Compra a um fornecedor estabelecido em Portugal (Empresa C), encontrando-se o bem, contudo, na Alemanha pelo facto de o fornecedor nacional o adquirir, por sua vez, a um fornecedor estabelecido naquele Estado-Membro (Empresa D),
- E a questão que estava a suscitar a dúvida era a de:
– Se resultaria possível que o bem fosse fornecido (e faturado) pela Empresa A (portuguesa) à Empresa B (italiana), com a condição de expedição direta para Itália a partir da Alemanha;
– Ou se, pelo contrário, deveria ser expedido da Alemanha para Portugal e, uma vez em território nacional, ser então objeto de transmissão e expedição pela Empresa A (NIF PT) à Empresa B (NIF IT).
Resumindo:
- Quatro empresas envolvidas num potencial único fluxo de transporte de bens entre dois Estados-Membros da União Europeia (Alemanha e Itália);
- Com duas das empresas estabelecidas num mesmo Estado-Membro (Portugal): Empresa A (fornecedor/intermediário) e Empresa C (fornecedor nacional),
- E duas outras empresas estabelecidas em outros dois Estados-Membros:
– A Empresa B (cliente da Empresa A) estabelecida em Itália,
– E a Empresa D (fornecedor da Empresa C e quem detém o bem em stock) estabelecida na Alemanha.
Confuso? Talvez…
E, sim, sei que para ajudar a uma melhor visualização (e compreensão) deste tipo de operações, ajuda sempre um “bonequinho” com os quatro países, as quatro entidades e a identificação dos vários fluxos de faturação e o físico do bem, como vi pela primeira vez ser feito num quadro na faculdade por uma das primeiras pessoas que me fez ficar a pensar que seria capaz de gostar desta parte da fiscalidade, por estar tão diretamente relacionada o “dia-a-dia” e decisões com impacto real das empresas…
Mas o principal propósito desta partilha não é o de fazer uma análise técnica aprofundada da operação e desvendar as implicações e alternativas possíveis de operacionalização.
Ainda que não deixe de partilhar que vários seriam os aspetos a considerar,
Começando por se perceber quais os Incoterms® em avaliação por quem estava a equacionar cenários de negociação e, consequentemente, determinar qual seria a entidade que, designadamente do ponto de vista negocial e logístico, poderia fazer mais sentido definir-se como a responsável por contratar o transporte dos bens e,
Partindo da análise da situação factual – quanto ao cenário desejável para o negócio,
Avaliar as potenciais implicações de obrigação de registo de IVA de alguma das entidades intervenientes, num Estado-Membro diferente daquele em que se encontra estabelecida,
Com a possível recondução da operação a uma “triangular” quanto às entidades diretamente intervenientes no fluxo físico de transporte dos bens entre dois Estados-Membros e nos fluxos de faturação conexos (três sujeitos passivos de IVA, três Estados-Membros e um fluxo de transporte entre dois dos três Estados-Membros),
Para a qual a legislação do IVA prevê a “solução” quanto ao enquadramento.
De facto, nas designadas operações triangulares:
- Se verificada a condição de a entidade intermediária – a Empresa A, estabelecida em Portugal – ter adquirido os bens para proceder à sua transmissão subsequente a um cliente (sujeito passivo do IVA) estabelecido no Estado-Membro de chegada da expedição ou transporte dos bens (a Empresa B, estabelecida em Itália),
- Sendo os bens transportados diretamente da Alemanha para Itália (Estados-Membros diferentes do de estabelecimento da entidade intermediária: Estado-Membro de início da expedição/transporte e de destino do mesmo, respetivamente),
- E a entidade intermediária – Empresa A – designar expressamente na fatura o seu cliente – Empresa B (sujeito passivo de IVA em Itália) como devedor do imposto devido pela transmissão dos bens efetuada nesse Estado-Membro (Itália = Estado-Membro de chegada da expedição ou transporte dos bens e, consequentemente, local de tributação da aquisição intracomunitária de bens),
Considerar-se-á que a aquisição intracomunitária dos bens foi sujeita a IVA no Estado-Membro de chegada dos bens – Itália – com a correspondente obrigação de autoliquidação de IVA a ser responsabilidade do adquirente estabelecido nesse Estado-Membro (o cliente italiano – Empresa B),
Sem que tal pressuponha, designadamente, o registo de IVA da entidade intermediária – a Empresa A estabelecida em Portugal – no Estado-Membro de destino do transporte dos bens (Itália).
Avaliar a eventual aplicabilidade do requisito de registo de IVA de alguma(s) da(s) entidade(s) interveniente(s), num Estado-Membro diferente do de estabelecimento – por exemplo, da empresa C (fornecedor nacional da Empresa A), perante eventual requisito de registo de IVA na Alemanha (país de início do transporte intracomunitário),
E se essa seria a “peça do puzzle” que, “colocada no sítio certo”, permitiria então conseguir definir o enquadramento em sede do IVA dos vários fluxos de operações,
Faria parte da análise necessária realizar.
Mas o principal propósito desta partilha de hoje é o de ilustrar que nem sempre poderá estar garantido o acesso, pelo menos em tempo útil, aos conhecimentos técnicos necessários na esfera dos operadores económicos para, pelo menos de uma forma “rápida, simples e já traduzida no concreto”, se poder acautelar que, com relação a operações como estas:
- Se assegura um adequado, correto e atempado enquadramento em sede do IVA, com a ponderação de todas as implicações e cenários possíveis/recomendáveis de equacionar e, consequentemente,
- Se conclui pela opção que, conjugando os requisitos de negócio como sejam os comerciais e logísticos, permita dar uma resposta adequada numa conciliação entre os requisitos de compliance (e inerente mitigação de riscos e contingências resultantes de incumprimento com requisitos e obrigações em sede do IVA) e os requisitos de negócio.
Mesmo quando o requisito base esteja já garantido: o da (in)formação e sensibilização às áreas de negócio que estão “na linha da frente” a negociar e a “vincular” contratos e operações que podem representar implicações em sede do IVA que, se não acauteladas, podem traduzir-se em riscos e contingências com impacto em margem (entre outros) – e que “passo gigante” este, se já garantido,
Haverá que acautelar, adicionalmente, respostas em tempo útil e, sempre que possível, já traduzidas da implícita tecnicidade que resulta dos normativos legais que são a “fonte” do enquadramento em sede do IVA, para “aplicações e cenários concretos” que áreas que não sejam as especialistas nestas matérias, possam compreender, interpretar e implementar.
As empresas que dispõem de áreas técnicas inhouse como uma área fiscal ou uma área financeira ou de contabilidade que integre com recursos que detenham, também, este tipo de conhecimentos que se podem revelar mais “específicos e não de conhecimento tão generalizado”, terão a “vida mais facilitada”.
As que não disponham de recursos internos com este tipo de conhecimentos não deverão, contudo, deixar de procurar respostas pois, se há áreas do direito que têm impacto real e imediato nas decisões de negócio, porque inevitavelmente ligadas a cada concreto contrato e operação que pressuponha um movimento físico de bens entre diferentes Estados-Membros da UE ou entre Estados-Membros da UE e países terceiros, são as do Direito Tributário (IVA + Impostos Especiais de Consumo – quando aplicável) e Aduaneiro.