Para efeitos da tramitação aduaneira do dia-a-dia, e no contexto em que o operador económico tenha essa função (de preparação, submissão e conexa interação com as alfândegas) delegada num despachante, não se verificarão – regra geral – situações que justifiquem que (também) o operador económico contacte com a Autoridade Aduaneira.
Naturalmente, se do lado do operador económico estiverem bem definidos processos e procedimentos que garantam que é disponibilizada toda a informação e documentação necessária para que o despachante possa assegurar a sua função de representante aduaneiro e declarante,
No sentido de que o despachante não vai “adivinhar” o que não lhe seja dito ou transmitido, mesmo que desempenhe bem a sua função e até coloque as questões certas, em vez de apenas (e rapidamente) processar a declaração com o que lhe é facultado, com o foco em deixar o cliente satisfeito porque rapidamente se concluiu o despacho e foi obtida autorização de saída.
Mas tenho já sérias dúvidas que, por exemplo, com referência a operações aduaneiras de âmbito mais estratégico, mais complexas ou, até, menos típicas – como sejam as que potenciam a aplicação de regimes aduaneiros especiais – as ações necessárias até à efetiva implementação possam ser asseguradas sem um grande contributo e intervenção do operador económico.
Diria até que, se o operador económico não tiver os conhecimentos e capacidade de, no mínimo, identificar e antecipar que, a um dado novo contrato ou operação, poderá ser aplicável um regime aduaneiro que potencie, por exemplo, uma poupança ao nível de uma dívida aduaneira potencial, dificilmente “alguém de fora” o poderá fazer, pelo menos em tempo útil de ainda ser implementável.
Simplesmente porque há todo um conjunto de ações necessárias assegurar com a máxima antecedência face ao momento de “chegada dos bens e apresentação à alfândega”, se não mesmo ainda – e desejavelmente – ainda na fase de negociação de um novo contrato com um cliente ou um fornecedor.
As quais implicam, e desde logo um trabalho conjunto entre:
- A área que assume o papel de “consultor aduaneiro” (interna ou externa ao operador económico, mas que esteja suficiente próxima do negócio para que possa intervir tem tempo útil): alguém que detenha os conhecimentos e perfil adequados para assegurar a avaliação sobre, se o que a lei aduaneira prevê, poderá ou não ser aplicável e útil para um dado caso concreto ou, desejavelmente “se ainda a tempo”, para informar quanto aos requisitos a contemplar no desenho de uma nova operação, para que um dado regime aduaneiro especial possa vir a ser aplicável;
- As áreas do negócio diretamente envolvidas no “desenho e implementação” de uma nova operação: afinal são quem “desenha e vincula” a operação e todos os elementos relevantes para a vertente aduaneira;
- Outras áreas do operador económico que se justifique envolver desde logo no processo de avaliação, como sejam a área financeira (pense-se numa garantia que seja necessário prestar como condição de implementação de um regime especial e nos passos prévios e autorizações necessárias)
- O despachante, naturalmente, porque vai ser parte envolvida no processo de implementação e, claro, poderá também atuar como “consultor aduaneiro” e, acima de tudo, porque vai ser quem vai “estar no terreno” a implementar;
- E…..SIM, também a Autoridade Aduaneira (porque não?), que poderá fazer sentido envolver não só apenas na fase de implementação, mas sim em antecipação e, não raras vezes, ainda na fase de avaliação prévia de elegibilidade da operação e de consequente identificação e validação de todos os passos necessários.
Se é o operador económico a inquestionável fonte completa de toda a informação necessária para um diagnóstico de elegibilidade de uma dada operação para enquadramento num dado regime aduaneiro especial e, consequentemente, para as ações, informação e documentação necessária para a implementação,
E a Autoridade Aduaneira a entidade a quem incumbirá o papel de controlo, verificação e autorização e, também, de facilitação do comércio internacional (“Customs aim to balance controls with the facilitation of legitimate trade because international trade is vital to the success of the EU” – https://taxation-customs.ec.europa.eu/customs-4/eu-customs-strategy_en)
Porque será que não se equaciona mais vezes a possibilidade de estes dois intervenientes fundamentais poderem, também, interagir de forma direta, em detrimento de uma delegação exclusiva desse canal e via de comunicação através do despachante?
Bem sei que tal implica algum caminho adicional, designadamente em Portugal.
Desde logo um maior conhecimento aduaneiro a deter pelos operadores económicos e consciência das vantagens que resultam de uma maior intervenção, mesmo que apenas no nível mínimo necessário para que possam identificar a necessidade de intervenção de um consultor aduaneiro externo (e não já só o despachante no “papel de executor de um concreto despacho de importação ou exportação),
E também por parte dos despachantes e das alfândegas no aceitar como “normal, útil e potenciador de valor” envolver os operadores económicos nos canais de comunicação e interação o que, diria, será uma consequência natural e gradual do elevar do conhecimento aduaneiro também detido pelos operadores económicos.
Mas não tenho dúvidas de que é um caminho que vale a pena percorrer…