Várias têm sido as diferentes perspetivas com que me tenho vindo a confrontar quanto aos modelos possíveis de operacionalização de uma função aduaneira, na realidade do operador económico.

E que me têm feito pensar, repensar e questionar-me quanto ao que vêm sendo as “verdades” que a experiência, formação e informação que os vários anos com passagens por diferentes contextos me têm vindo a permitir consolidar como aquelas em que (mais) acredito.

E uma das perspetivas e desafios no pensar como me posiciono quanto a “acreditar ou não ser exequível”, prende-se com a adoção de um modelo “descentralizado” de funções tão assumidamente técnicas como a aduaneira (mas que se poderia aplicar também a funções como a legal ou fiscal).

Não raras vezes será um modelo adotado por organizações que:

  • Têm uma dimensão, a par de uma materialidade e recorrência de operações de comércio internacional, que colocam a vertente aduaneira também no “centro das atenções”, ao ponto de se reconhecer a necessidade de uma “função aduaneira” e “dentro de portas”,
  • Mas que, pelos mais diversos motivos, optam por um modelo em que:

– A função aduaneira assume um papel de regulação, formação, definição de procedimentos, consultoria “a pedido”, supervisão e controlo,

– Sendo delegado noutras áreas dentro da organização a operacionalização do “dia-a-dia” das ações implícitas às atividades aduaneiras,

Que podem ir, desde o envio ao despachante externo do pedido de declarações aduaneiras, a assegurar tendo por base os modelos de “instruções e documentação a disponibilizar”, tal como definidos pela função aduaneira,

Até a ações como as de classificação pautal, determinação de origem (preferencial/não preferencial) e de valor aduaneiro, mediante formações prévias asseguradas pela função aduaneira. 

Neste tipo de modelo “descentralizado”, os recursos necessários para a operacionalização das atividades aduaneiras encontrar-se-ão dispersos por várias áreas dentro da organização (tipicamente nas áreas de logística, cadeia de abastecimento e, até mesmo, procurement), não deixando, contudo, de ser assumida pela função aduaneira a responsabilidade por essa área.

E pressupõe uma espécie de “subcontratação” parcial, pela área aduaneira, de colaboradores de outras áreas, que mediante formação e instruções, se tornam (também) executores das ações aduaneiras necessárias para que possam ocorrer fluxos de “importação e exportação”.

Assim, à partida, pode até ser visto como um modelo interessante para uma alocação eficiente de recursos e para potenciar sinergias como as que resultam, por exemplo, do facto de se poder juntar numa mesma pessoa os conhecimentos necessários para uma ação de classificação pautal (conhecimento de produto e conhecimento da legislação aduaneira).

Mas eu diria serem vários os desafios associados para que se possa garantir o mesmo nível de “fiabilidade” de um modelo em que as ações de âmbito aduaneiro são asseguradas por pessoas “aduaneiras”.

Desde logo o do conhecimento, experiência, prática e foco que entendo serem necessários para que se possam desempenhar de forma correta e completa ações de âmbito aduaneiro.

Isto perante a tecnicidade – e não raras vezes complexidade – implícitas a ações como as de classificação pautal e determinação de origem, que pressupõem um fator adicional para serem “feitas como deve ser”: o deter-se um perfil adequado para as executar.

Porque uma coisa é, por exemplo, a experiência de anos a atribuir códigos pautais tentando adaptar o que se encontra na documentação de um fornecedor de um país terceiro ao que, por leitura dos textos das posições pautais possíveis dentro de um dado capítulo, pareça ser o mais adequado para o tipo de bem em causa. Ou a já saber que àquele tipo de bens é aplicável um determinado código.

Outra bem diferente é a de,

  • Com base numa completa e adequada base de dados de artigos, que inclua (entre outros elementos) fichas/dados técnicos,
  • E detendo-se o conhecimento do que a legislação aduaneira define como passos, procedimentos e regras a seguir para se garantir uma adequada e correta classificação pautal,

Serem assegurados (todos) os passos necessários, e com recurso às fontes corretas, para se alcançar uma correta e documentada determinação de um código pautal. Com um domínio que permita justificar (cabalmente) o código pautal atribuído caso seja questionado pela alfândega.

Bem distinto é, também, o considerar-se como “origem” o que é informado pelo fornecedor/produtor com alusão a uma simples identificação de um país, em confronto com o deterem-se os conhecimentos, prática, tempo e sensibilidade, para saber que a determinação da origem pressupõe vários tipos de informação,

Desde logo, e quanto à origem preferencial, qual o país ou conjunto de países para os quais se poderá exportar e, em função dos mesmos, qual ou quais os acordos de comércio livre aplicáveis e qual ou quais as regras a cumprir para poder ser determinada uma origem preferencial.

Perante as condições necessárias para que alguém possa assegurar eficazmente ações de âmbito aduaneiro, tendo a concluir que o desafio que se coloca a uma função aduaneira, num modelo descentralizado, de:

  • Treinar adequadamente alguém que não seja “aduaneiro” (de formação, de experiência, de função e de perfil), perante a tecnicidade e complexidade implícitas
  • Identificar o essencial, resumir e traduzir em linguagem simples e acessível para “não aduaneiros”, de forma a elaborar instruções quanto aos passos a seguir e regras a cumprir pelas áreas não aduaneiras, quando “colocam o chapéu aduaneiro” para assegurar o “dia-a-dia” das tarefas aduaneiras
  • Controlar, auditar, estabelecer planos de mitigação de risco para o que possa não conseguir de imediato monitorizar, de forma a “dormir descansada” de que tudo esteja a ser feito como deveria e de que, quer riscos, quer oportunidades, são (atempadamente) identificados,

Será bem maior do que o desafio que se coloca perante, a já de si complexa e exigente, tarefa de, também, executar as atividades aduaneiras.

E mesmo sem entrar em considerações como as de que:

  • Alguém que tenha formação, perfil e experiência de prática aduaneira, é bem possível que domine também outras áreas de conhecimento conexas, o que permite que, não raras vezes, “soe o alarme” quanto a outros aspetos relevantes considerar na operacionalização de uma dada atividade aduaneira;
  • Um colaborador que divida o seu tempo entre várias funções diferentes e, por isso, tenha que estar consecutivamente a “tirar e colocar” os diferentes chapéus (de entre os quais o aduaneiro), dificilmente vai conseguir o foco, tempo e experiência necessária para fazer algo mais que não seja o “repetir mecanicamente” o que lhe foi explicado que fizesse,

Sem ser capaz de pensar criticamente, no mínimo sinalizar que necessita de formação e ou de esclarecimentos, nem de identificar lacunas na instrução ou procedimento.

Em conclusão:

Tendo a continuar mais adepta de um modelo centralizado no qual, se a dimensão, recorrência e materialidade das operações aduaneiras o justificarem, o operador económico disponha de uma equipa aduaneira interna que assegure o “todo”, incluindo a operacionalização.

Simplesmente porque estamos perante uma função de cariz eminentemente técnico que, como tal, pressupõe que se detenha a formação, conhecimento, perfil, experiência e tempo necessários para habilitar a uma cabal, completa e fiável capacidade de execução.

 

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