Os caminhos da minha experiência profissional não se tinham ainda cruzado com o tema do CARNET ATA. Já tinha ouvido falar, até já lido algo sobre o tema, mas nunca a oportunidade de o perceber em maior detalhe…

Mas quando surge a necessidade de me debruçar sobre o assunto, constato que a experiência prática de utilização nem sempre coincide com o conhecimento concreto que só a fonte legislativa na génese deste “instrumento” pode (começar por) proporcionar.

Mas vamos por partes – o que é então o “CARNET ATA”?

Tem por base uma Convenção Internacional relativa à Importação Temporária de material profissional pelo que, em caso de dúvidas quanto ao âmbito e condições de aplicabilidade, convém não esquecer de começar por “ir à fonte normativa” (Convenção relativa à Importação Temporária de Material).

Do preâmbulo da referida Convenção destacaria as seguintes referências pela sua relevância para uma mais clara compreensão quanto ao enquadramento e objetivos:

AS PARTES CONTRATANTES na presente convenção (…),

CONSIDERANDO que a simplificação e a harmonização dos regimes aduaneiros e, em especial, a adopção de um instrumento internacional único que integre todas as convenções existentes em matéria de importação temporária podem facilitar aos utilizadores o acesso às disposições internacionais em vigor em matéria de importação temporária, contribuindo de modo eficaz para o desenvolvimento do comércio internacional e de outras formas de trocas internacionais,

CONVENCIDAS de que um instrumento internacional que proponha disposições uniformes em matéria de importação temporária pode introduzir vantagens substanciais nas trocas comerciais internacionais e assegurar um elevado grau de simplificação e de harmonização dos regimes aduaneiros que constitui um dos objectivos essenciais do Conselho de Cooperação Aduaneira,

DECIDIDAS a facilitar a importação temporária através da simplificação e da harmonização dos procedimentos, tendo em vista objectivos de ordem económica, humanitária, cultural, social ou turística,

CONSIDERANDO que a adopção de modelos normalizados de títulos de importação temporária, enquanto documentos aduaneiros internacionais acompanhados de uma garantia internacional, contribui para facilitar o procedimento de importação temporária quando são exigidos um documento aduaneiro e uma garantia,

ACORDARAM…”

Ou seja, o CARNET ATA será uma potencial solução quando haja necessidade de expedir temporariamente bens para um país ou território terceiro,

Tornando mais simples o processo de entrada física dos mesmos no destino e inerente obrigação de apresentação e declaração às autoridades aduaneiras competentes (assim como retorno à origem),

E garantindo uma uniformidade de procedimentos a cumprir em todos os países ou territórios que tenham ratificado a convenção.

O documento comumente designado de CARNET ATA, consubstancia-se num título de importação temporária definido nos termos da citada convenção como “o documento aduaneiro internacional com valor de declaração aduaneira, que permite identificar as mercadorias (incluindo os meios de transporte) e contém uma garantia válida a nível internacional destinada a cobrir os direitos e encargos de importação”.

Sendo ainda relevante realçar que, nos termos do disposto no Artigo 2.º da (referida) Convenção quanto ao respetivo âmbito de aplicação:

  1. Cada parte contratante compromete-se a conceder a importação temporária, nas condições previstas na presente convenção, às mercadorias (incluindo os meios de transporte) especificadas nos anexos da presente convenção.
  2. Sem prejuízo das disposições do anexo E, a importação temporária é concedida com suspensão total dos direitos e encargos de importação e sem aplicação de proibições ou restrições de importação de carácter económico.

Desde já relevante a partilha dos seguintes comentários:

  • Está em causa um “documento” com o poder – e implícitas responsabilidades, desde logo para o importador – de permitir a entrada de bens num país ou território terceiro sem que haja lugar ao pagamento de “dívida aduaneira”,
  • E que, apesar de poder ser objeto de emissão por entidades nacionais que não sejam as “Autoridades Aduaneiras” – como sejam câmaras de comércio – tem força “declarativa” perante as alfândegas de “exportação” (no país ou território de expedição temporária) e de “importação” (no país ou território de importação/utilização temporária”).

Isto porque, e podendo até, normalmente, ser um procedimento sugerido como “o mais prático e eficaz”, por exemplo, pelos operadores logísticos que vão ter intervenção no transporte dos bens, tem a mesma responsabilidade implícita a uma declaração aduaneira, desde logo no dever de adequada documentação, completude e fidedignidade das declarações a prestar.

Ou seja, não é só “pagar para que alguém trate” porque, também neste contexto, o operador económico:

  • É quem conhece (ou deverá conhecer) as circunstâncias concretas que motivam a necessidade da expedição temporária,
  • Assim como o tipo de bens a expedir,
  • E o tempo que os mesmos permanecerão no país ou território terceiro,

E, consequentemente, é quem dispõe da “informação chave” que permite aferir da elegibilidade para utilização do CARNET ATA.

Detenho-me, a título ilustrativo, no anexo da Convenção relativo ao material profissional (Anexo B.2) que, no começa por definir o que se entende por “material profissional” para efeitos de aplicação do disposto na Convenção e, em concreto, no referido anexo.

Ou seja, são abrangidos pelo “procedimento CARNET ATA” (apenas) os bens explicitados para efeitos do respetivo âmbito de aplicação sendo que, mesmo a definição mais genérica prevista no n.º 3 do Artigo 1.º do referido anexo delimita um âmbito concreto de inclusão:

“Qualquer outro equipamento necessário ao exercício do ofício ou da profissão de uma pessoa que se desloca ao território de um outro país para aí realizar um determinado trabalho.

Esta expressão não abrange o equipamento a utilizar para o fabrico industrial ou o acondicionamento de mercadorias ou, a menos que se trate de ferramentas manuais, para a exploração de recursos naturais, a construção, reparação ou manutenção de imóveis ou a execução de trabalhos de terraplenagem ou trabalhos similares.

Prevendo-se que beneficiem da importação temporária (Artigo 2.º do Anexo B.2):

a) O material profissional;

b) As peças sobressalentes importadas tendo em vista a reparação de material profissional sujeito ao regime de importação temporária ao abrigo do disposto na alínea a).

Ou seja, importará começar por avaliar se, de facto, os materiais que se pretendem expedir temporariamente com destino a um país ou território terceiro são elegíveis para emissão do CARNET ATA.

Acrescendo a necessidade de avaliação sobre se resultarão cumpridas as condições definidas para que este tipo de material profissional possa beneficiar do procedimento CARNET ATA, designadamente (Art.º 3.º do Anexo B.2):

a) Pertencer a uma pessoa estabelecida ou residente fora do território de importação temporária;

b) Ser importado por uma pessoa estabelecida ou residente fora do território de importação temporária;

c) Ser utilizado exclusivamente pela pessoa que se desloca ao território de importação temporária ou sob a sua própria direcção.

Condições, de entre as quais, destacaria a última que tem implícito que,

  • Mesmo que o material profissional não seja transportado “na bagagem” do profissional que, em representação do operador económico estabelecido fora do território de importação temporária, o virá a utilizar ou dirigir a respetiva utilização, mas expedido através de um operador logístico (ex.º: em função da respetiva dimensão ou condições especiais necessárias para o transporte)
  • É condição de utilização do CARNET ATA que esse profissional “esteja presente” na respetiva utilização.

Por último e conforme disposto no Artigo 5.º do Anexo B.2., há que considerar a existência de um prazo para reexportação do material profissional: 12 meses a contar da data da importação temporária.

E porque é que partilho a informação de que há um âmbito de aplicação e condições de utilização do CARNET ATA?

Desde logo, porque uma indevida utilização implicará consequências para os operadores económicos, como sejam:

  • A possível “imobilização dos bens” perante a estância aduaneira do país de importação temporária,
  • Necessidade de interação – para potenciais esclarecimentos a questões suscitadas e até, no limite, pagamento de divida aduaneira – perante estâncias aduaneiras de países que não sejam os de estabelecimento e inerente “proximidade” (física, cultural, linguística e aduaneira) do operador económico.

Mas, também, porque poderá acontecer que o operador económico desconheça as condições de aplicação e não assegure diretamente a tramitação do CARNET ATA junto das competentes autoridades nacionais,

Delegando em terceiros, e potencialmente na modalidade de “a 100%” mediante o pagamento do respetivo “preço” e esses terceiros, por sua vez, possam assumir como cumpridos os pressupostos de elegibilidade e de aplicabilidade” sem colocar antes as questões “certas”.

Recordando, uma vez mais, que a responsabilidade será sempre assumida pelo operador económico, mesmo quando apenas adquira consciência deste facto quanto, “por azar”, ocorra a primeira vez em que, afinal, não correu tudo bem…

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