Às vezes dou por mim a pensar se não serei eu que vejo o “mundo ao contrário”, quando me confronto com situações perante as quais concluo que,
- De um lado temos legislação e instruções detalhadas e, não raras vezes, complexas que definem o “que é suposto ser” e,
- Do outro, temos a prática do dia-a-dia em que ninguém parece já saber em concreto o que devia e, até, faria sentido ser, porque se replicam soluções e remendos táticos que acabam por se tornar “o uso e costume”.
Reflexão esta, desta vez, suscitada por algo que aparentemente poderá parecer tão simples como a obrigação de incluir a informação de peso bruto e peso líquido dos bens nas respetivas declarações aduaneiras agregadas ao nível da adição (posição pautal).
Quantas vezes a documentação disponibilizada ao despachante para a preparação das declarações aduaneiras não conterá essa informação detalhada ao nível de cada referência de artigo na fatura? E quantas vezes essa informação será sinalizada ao operador económico como “em falta e necessária”?
Arriscaria responder à primeira questão que, “não raras vezes” e à segunda que, “talvez não tantas quantas as necessárias”.
E já não entro sequer na questão de quais as definições de “peso bruto” e “peso líquido” relevantes para efeitos aduaneiros, em concreto na problemática conexa com o facto de que, na prática, haverá que considerar que temos:
- O peso líquido do bem (o seu peso intrínseco sem os “invólucros e embalagens” de comercialização)
- O peso bruto do bem (o peso líquido acrescido do peso dos “invólucros e embalagens” de comercialização)
- O peso que designo de “bruto total” ou “bruto bruto” que corresponderá ao peso bruto dos bens transportados acrescido do relativo aos suportes ou materiais logísticos/de transporte (como seja a palete).
Definições a respeito das quais deixo só o “cheirinho” de que pode ser largo o debate – e quiçá a divergência dos entendimentos emanados pelas autoridades aduaneiras de cada Estado-membro da EU – no que concerne à definição do peso bruto a declarar ao nível das adições de uma declaração aduaneira (se o peso bruto do bem, o peso “bruto total” ou um peso “intermédio” entre os dois anteriores),
Mesmo quando a legislação aduaneira ao nível da UE chegue a este nível de detalhe quanto ao que “é suposto” incluir ou excluir de cada concreto campo de uma declaração aduaneira.
A minha reflexão prende-se com algo tão simples como:
- Se, na prática, se preparam declarações aduaneiras sem que a informação de peso líquido e bruto dos bens conste da respetiva documentação que é a base do preenchimento das mesmas (factura, packing list), ao nível de cada bem– informação que intrinsecamente integra ou deveria integrar os dados de BI/Master Data dos bens
- Parecendo bastar que se tenha acesso aos seguintes dados:
– Declarações sumárias de entrada (no caso das “importações”) submetidas pelos operadores logísticos/transitários
– Peso bruto total constante da fatura/packing list e/ou do documento de transporte,
- Para que, e numa espécie de “passe de magia e uns pós de perlimpimpim”, aquele peso bruto total se aloque pelos vários bens que constituam a remessa ou, talvez até, já ao nível de cada posição pautal que virá a constar da declaração aduaneira, com regras de alocação que podem ter por base uma simples “regra de três simples” ou um pouco mais complexas consoante a “imaginação” de quem as crie ou as funcionalidades de cada sistema,
Será correta a leitura e conclusão de que, afinal,
- Não interessa verdadeiramente o peso líquido e bruto reais e corretos para cada bem e consequente conjunto de bens em cada posição pautal da declaração aduaneira,
- Mas sim que o total declarado nas várias posições pautais do DAU cruze com o total constante da respetiva declaração sumária de entrada?
Mas nesse caso não seria mais coerente, realista e proporcional que a legislação assim o definisse,
Tornando o dia-a-dia de quem procura olhar para o que “parece dever ser” bem mais simples e justo em comparação com o dia-a-dia de quem já assumiu a interpretação tática que derivará dos “usos e costumes” e que, na prática, parece dar resposta adequada ao que a previsão legal parece querer salvaguardar?
É que se assim é, qual o sentido do que se poderá relevar uma desproporcionalidade de meios, recursos, tempo e esforços a alocar para se disponibilizar e declarar os pesos bruto e líquido corretos ao nível de cada bem e da correspondente agregação por posição pautal na declaração aduaneira,
Perante o que parecem ser soluções bem mais simples e, aparentemente, eficazes já existentes no mercado,
Que permitem que qualquer entidade externa – que não conheça os bens a declarar porque nem os comprou, nem os produziu – identifique e assigne informação de BI de artigo, sem que se revele necessário que a mesma lhe seja disponibilizada por quem faça sentido deter e disponibilizar essa informação?
Estou certa de que as questões partilhadas se poderiam suscitar a respeito de outro tipo de informação necessária para o preenchimento de uma declaração aduaneira,
Sendo que a conclusão essencial é, no que faça sentido, sinalizem-se as “oportunidades e sentidos” de adaptação da lei em vez de se “fazer de conta” de que se faz o que é “suposto” fazer-se.