Numa formação em que tive, recentemente, oportunidade de participar, falava-se dos requisitos formais e substantivos implícitos a uma certificação de origem preferencial.
Do ponto de vista técnico aduaneiro é (mais) um tema que “dá pano para mangas” no tanto que há que considerar e acautelar…
Mas, em concreto, dei por mim a pensar quantos operadores económicos dispõem de conhecimento quanto ao que, de facto, pressupõe,
- “Dizer sim” a um cliente,
- Com quem se está a negociar um contrato muito importante,
- E que indica como condição de “competitividade de preço” ou, até já, de fecho de contrato,
- Que se emita um “EURO 1” ou,
- No contexto dos acordos de comércio livre “de nova geração”, que se disponha de um número REX e que se coloque uma determinada “frase” nas faturas, cuja minuta até desde logo se partilha e que mais que não é do que um autocertificação de que se encontram cumpridos os critérios de origem preferencial para os bens a exportar (“atestado de origem”).
Pensemos nos requisitos básicos para que um operador económico exportador possa, de facto e de forma informada, assegurar uma autocertificação de origem preferencial no contexto do sistema REX:
- Dispor de um número de registo REX a atribuir pela autoridade aduaneira do país onde se encontre estabelecido,
Algo que até poderá parecer e ser referido como “algo muito simples” de obter, mas que tem implícito um conjunto de “compromissos” assumidos para fazer uso desse “número mágico”.
- Dispondo do número de registo REX, passa o operador económico a estar habilitado a assegurar uma autocertificação mediante a inclusão de um “atestado de origem” nas faturas que emite.
Mas, aqui chegados, muito cuidado quando alguém diz que “é algo muito simples, pois só há que garantir a inclusão de uma frase standard no layout das faturas porque:
– O “standard” depende do concreto acordo de comércio livre ao abrigo do qual o atestado de origem vai ser assegurado;
– Uma vez constante das faturas, aquela frase terá por efeito uma certificação de que se encontram cumpridas as regras que tornam (todos) os bens constantes na fatura elegíveis para serem validados como “de origem preferencial”.
- Há ainda e, pelo menos, dois passos essenciais prévios ao “chegar à meta” de certificação da origem preferencial:
– A (correta) determinação do código pautal aplicável aos bens, com recurso à informação de “BI” completa e fidedigna dos mesmos (a necessária para que se possam enquadrar numa determinada posição pautal) e,
– A partir do código pautal e com recurso ao acordo de comércio livre aplicável (a determinar em função do país de destino da exportação a realizar), determinar-se qual a regra que determina a origem preferencial.
Quem assegure estes dois passos sem fazer “batota” – como seja a de assumir pressupostos (porque é impossível ou muito moroso obter a informação em falta…), chega à parte de conhecer a teoria da regra aplicável e, inevitavelmente,
Confrontar-se-á com a necessidade de recolher informação adicional para poder concluir se o concreto bem a exportar cumpre ou não a regra que lhe permite ser certificado como “de origem preferencial”. E aqui “tudo se complica” porque:
- Ou há que envolver outras áreas como as de sourcing, desenvolvimento de produto, qualidade, produção – se o operador económico tiver sido o produtor dos bens a exportar,
- Ou os fornecedores a quem os bens tenham sido adquiridos e, não raras vezes, aqueles terem que recorrer aos seus fornecedores e assim sucessivamente, a montante da cadeia de abastecimento, até que cada um dos intervenientes possa dispor da informação necessária e suficiente para poder atestar o que conhece em relação à parte do fabrico pela qual foram responsáveis.
Neste último caso são particularmente relevantes as designadas “declarações de fornecedores” – documento formal através do qual o exportador (que não seja produtor) garante dispor de:
- Evidência documental e formal de que se encontram cumpridos os critérios aplicáveis para que possa atestar origem preferencial;
- Uma declaração de compromisso do fornecedor de que, perante questionamento das autoridades aduaneiras, se dispõe a facultar evidência adicional que permita suportar a origem preferencial declarada como cumprida.
Mas mesmo a respeito destas declarações de fornecedores é preciso “parar para pensar” antes de se cair na tentação de obter uma “minuta que alguém prontamente partilha” e pedir à área de compras que solicite, com urgência, ao fornecedor que assine.
Há quem possa pensar que “uma vez assinada a declaração pelo fornecedor”, este assume a responsabilidade por:
- Não a emitir, assinar e, implicitamente, validar o seu conteúdo sem se informar e saber o que está a fazer e, assim,
- Em caso de ter prestado informações incorretas/falsas/não informadas, “acertar as contas devidas” perante as autoridades aduaneiras.
Mas nada mas “perigoso” do que isto…Se não vejamos:
- Se o cliente do fornecedor, a quem é pedido que “assine com urgência” a declaração, tem importância na carteira de clientes e volume de faturação,
O fornecedor pode sentir-se tentado a dar resposta ao solicitado, mesmo não percebendo bem o que lhe está a ser pedido (se o cliente pede, e “para ontem”, não podemos deixar de responder…)
- O fornecedor pode até nem ter experiência nem conhecimentos aduaneiros porque não exporta diretamente (ou só vende para território nacional, ou quando muito para clientes estabelecidos noutro Estado-Membro da União Europeia)
- E, no limite, uma indevida certificação de origem preferencial vai ter como consequência uma indevida eliminação ou redução dos direitos aduaneiros a pagar no país de destino de importação que, se detetado, vai implicar que o cliente do operador económico se confronte com liquidações adicionais de direitos acrescidas de penalidades,
A que se segue um impacto negativo na relação comercial (e possíveis penalidades contratuais) com o operador económico exportador e,
Se as autoridades aduaneiras do país de importação optarem por reportar a ocorrência às autoridades aduaneiras do país do exportador, este vai-se confrontar com riscos vários: desde logo o de poder ver ser-lhe retirada a autorização REX, diminuição do nível de fiabilidade perante as autoridades aduaneiras, além das penalidades aplicáveis pela certificação de origem indevida (falsas declarações).
E então que responsabilidade assume o fornecedor que emitiu as declarações de fornecedor atestando uma infundada origem preferencial? Aquela que o seu cliente (o operador económico/exportador) lhe consiga imputar no contexto de uma responsabilidade contratual que tenha sido acautelada.
Mas que sempre dependerá de uma iniciativa do operador económico, acionando os meios legais disponíveis, sendo certo que as contas a ajustar com a autoridade aduaneira do país do exportador sempre serão assumidas pelo exportador (e não pelo seu fornecedor).
E, por último e para não me alongar muito mais, quem conhecer as minutas das declarações de fornecedores – também definidas e tipificadas por lei – conclui que são “positivas” no sentido de apenas admitirem a validação de cumpridos os critérios aplicáveis para ser atestada origem preferencial.
Ou seja, o fornecedor que as receba para “assinar”, se não “parar para pensar” no que irá fazer, vai estar a validar “estarem cumpridos os critérios para origem preferencial”,
Podendo até nem se aperceber estar a validar “em geral” – para todos os acordos de comércio livre que o seu cliente (o exportador) tenha indicado na minuta, quando até possa acontecer que a regra a observar seja diferente consoante o acordo e, num pior cenário, até possa estar cumprida no âmbito de alguns acordos e não no contexto de outros.
Por isso, será sempre melhor que o operador económico exportador acautele, também, que os fornecedores a quem peça para validar se estão ou não cumpridos requisitos de origem preferencial e, consequentemente, emita a dita “declaração de fornecedor”, saibam efectivamente o que estão a fazer e, assim, garantam fiabilidade quanto ao que venham a atestar “a seu pedido”.
Estou convicta de que,
- Quem “parar para pensar e se informar” antes de dizer de imediato um “SIM” a um potencial cliente quanto a estar em condições de incluir atestados de origem nas faturas a emitir,
- Não raras vezes poderá vir a concluir que talvez haja ainda algum (se não todo um) trabalho de casa prévio a assegurar até que essa meta possa ser atingida,
- E que está longe de se poder resumir a um “validar se o layout de fatura acomoda a inclusão de uma frase adicional”….